Bargain Freak 2
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
Slow miseducation
Abro o coiso da Internet, que tem como página de entrada o portal do Sapo, e assalta-me os olhos uma dessas cretinas votações electrónicas, epítomes do estéril fetichismo quantitativista hodierno a multiplicarem-se acefalamente bunny-like, onde se perguntava «Quem foi Zeca Afonso? - Um músico/Um jogador de futebol/Um político».
Perturba descobrir a fonte da lata maioria de toda a música "popular" (não só "tradicional") relevante deste burgo sob procedimentos de devir memória historificada, como perturba constatar-se contemporâneo de uma geração para quem falar de Zeca Afonso pode ter ter tanta ressonância imediata como falar de Luis António Verney (ainda que isso pudesse ser condição para a geração anterior mais facilmente se aproximar, sem pruridos socio-políticos ingénuos, da sua inigualável arte musical).
É sempre de esperar que uma nublada madrugada deparemos com o país que presumíamos habitar já trancado no armário das antiguidades, e passemos, emudecidos através das suas portadas de vidro, a demorar o olhar, como que já ausente, nos passos alienígenas que calcorream a mais resiliente arquitectura dos espaços familiares. Mas cada marcador (por imbecil que seja para as próprias condições da sua produção - a única coisa que semelhante inquérito medirá são quantos dos seus mentecaptos respondentes não se deram ao trabalho de pesquisar até no próprio portal a resposta mas quiseram dá-la na mesma, certamente em nome da validação científica internalista da coisa) de como o tempo não carregou o que juraríamos de necessidade ampla e viva em cada boca estar assegurado, é sempre demasiado abrupto.
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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007
Corações ao alto
Formalmente, o trabalho de Poletti com este coro, alimenta-se ao tutano da tradição oral corsa, mas não se encontra cerceado pela sua estrita reprodução. Antes labora sobre a sua arqueologia formal, ampliando a sua reverberação emocional. Tecnicamente, se não nos passou nada ao lado, apenas a inicial «E Muntagne D’Orezza» foi cantada na logística tradicional da forma musical paghjella a três vozes, e cerca de mais duas canções o foram a quatro. A larga maioria do repertório é pois “orquestrada” numa amplificação coral, abrindo mais os espaços e possibilidades da polifonia tradicional, mantendo-lhe largamente, não obstante, a estrutura formal. Igualmente, parte dessa abordagem zelosamente expansiva daquela base fulcral se denota no facto de boa parte do material resultar de um trabalho composicional de Poletti sobre melodias e fragmentos tradicionais e populares, ou em tais inspirado, produto, contudo, muito mais de uma devoção aos resquícios de uma tradição oral, que da ambição de a empregar como recurso para outra forma de expressão.
A genuinidade e pureza que daí resultem, portanto, não se confundem com, nem reclamam, qualquer mito das origens (embora de um substrato cultural de identificação se nutram), mas revertem para a inventiva que, ora como dantes, subjaz à enraízada transplantação de uma identificação emocional. Não por acaso, cada peça é intercalada com uma explicitação, ora contextualizante, ora poetizante, de Poletti, sobre o manto histórico e sentimental que sustem o relevo daquela expressão.
Nesse lavor de pormenor sobre a expressão musical de raiz ou inspiração popular e tradicional, vai-se pois materializando uma atmosfera de envolvência que cinge quem nela respira. Quase todo o tempo, a corporalidade e dedicação da(s) voz(es) têm algo de um acometimento basilar e ritual, como que depurando e extremando a identificação dos canto aos seus cantores, dada a própria natureza temática que remete para identificações situadas. Tais tanto remetem para o substracto quotidiano do canto, seja numa dimensão de memória histórica (como uma canção de embalar oriunda das experiências da I Guerra Mundial), seja numa dimensão funcional (como numa cantiga festiva, ou de socialização cultural das crianças à dicção para o domínio do canto tradicional), como remetem para a inextricável presença da religiosidade nessa vivência, sedimentada pela presença de séculos de uma comunidade franciscana em Sartène. Dessa enraízada emanação, este esforço centra-se em constituir uma imagética exaltante de experienciações subjectivas devolvidas enquanto arte partilhável. Para lá de um arranjo cénico de simples projecções, em geral evocando envolvência religiosa (como vitrais), temática de boa parte das canções (aliás, várias precisamente em latim enquanto língua litúrgica), a apresentação cenográfica dos corpos desenrola-se num movimento constante entre sombras e espaço iluminado, como se ao deslocarem-se para a luz esforçassem a iluminação emocional do canto por entre a clausura dos seres por exprimir.
Por essa visceral entrega à partilha de palavras e melodias feitas carne na vida de quem as ora, se concebe a pureza destas oferendas. A sua apresentação foi “tecnicamente” perfeita? Nem tanto. As polifonias não foram sempre, sempre, perfeitamente timbradas, nem ritmicamente consonantes (aliás, nem tal é da sua forma popular). As vozes individuais, ao ser-lhes dado protagonismo, revelam-se desiguais, com um tenor a destacar-se claramente na projecção e domínio vocal (dois, na verdade, mas o outro “tenor” descobrimos, ao ressoar no final, habitar anónimo uma ala da plateia). Isso importa? De todo... Dentro da calibrada harmonia a exponenciar a expressão do ressentido, entre a suspensão como pó nos feixes de luz de catedral e o dramático ou jubiloso estrépito, a margem do canto cumpre a devolução transfigurada da emoção de um corpo que ressente o que canta como o tacto na pele. Não é por acaso, e não é todos os dias, que num dito “concerto” (é veramente mais do que isso que se trata) se comunga disto: um dos baixos encarna uma canção (aliás, fora do programa) com todo o ser no timbre pungente; ou um tenor beija o cruxifixo depois do canto de uma Ave Maria, e limpa uma lágrima depois de um tema intitulado (identificação nacional oblige) Terra Mea; ou se abre o canto à plateia, como explanou Poletti, reproduzindo o seu gesto de partilha do canto em cerimónia litúrgica, algo intrínseco à vida musical do Coro em Sartène, fazendo entoar a palavra, precisamente, canto. Assim selava, simbolica e materialmente, com porventura o gesto primordial, a união que num encontro de vontades e espíritos se congrega, e que, nutrida do verismo dos nossos apegos encarnados, nas suas também polifónicas virtudes e feições na pluralidade dos seres, pode, como a homofonia de “Choeur” incessamente sugere (concedamos-lhe), num momento maior, elevar tantos e diversos corações.»
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"Jews with horns"
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terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
Think Hawks Expected Taking Homophilia Into Nasty Gore...
O Rogério Casanova é daquelas simpáticas e insuportáveis criaturas que, para inveja do vulgo (vulgo, eu), se sabem cultivar, retirando mais proveito intelectual de ler o Pynchon (e que o fazem, no caso de «Against the Day», em menos tempo que os dois anos e 9 meses recomendados pela OMS da legitimação do meu cérebro ao rallenti) que de tragar a Encyclopaedia Britannica (embora tais actividades possam ter que ser concomitantes), e espraiar os end results com graça e engenho naturais (ao nível perceptivo, não causalista, claro) na sua escrita; já fez pelo menos duas (por definição) mais que louváveis referências à inestimável obra dos arqueiros P&P; nutre misheard lyrics pelos Pixies; e entre outras qualidades, a mais relevante é, obviamente, que, não fora a peste do meu (mesmo que mísero) logos internalizado, já teria feito mais pela minha auto-estima que o desvelo de inúmeros familiares nos meus anos formativos, ouvidos no meu leito através das não tão retentivas paredes que ilusoriamente, para o efeito, o destacavam da sala, onde repetiam amorosamente «não é assim tão hediondo» e «já vi mais estúpido», e que ainda hoje me recebem, invariavelmente, de braços abertos e um «estás mais gordo» nos lábios. Só por isso (e porque tem graça, vá, sim), engajo mais um patético (e vagamente aldrabão, ainda que com bases de justificação hermenêutica on the side) esforço para a colecção. Bem haja.
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Simbology may be way overrated
«Comenzamos esta nueva parte con Tristezas de un Doble A, que és una homenaje al bandoneón.
Ayer(?) me preguntaran que quiere decir Doble A: es la marca de fabricación alemana Alfred Arnold, doble A. No es triple A, logico(?)»
Teatro Roxy de Mar del Plata, Fevereiro de 1984.
(para minha auto-imprecação, há dois termos que o deleitoso sotaque argentino, ironicamente, me sonega à inteira compreensão. Mas, fazendo do título programa, para o sentido, esta transcrição basta)
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TPC
Se eu fosse cinéfilo, ficaria extremamente ofendido, enquanto cinéfilo, de alguém como eu (I just like to see the pretty pictures go by...) ser mencionado cinéfilo (snooty self-loathing enough?...). Anyhoooo(?), como continuo a não ser bicho para desdenhar qualquer vestígio do que possa interpretar lisonjeiro (com amplificação de lupa barthesiana sempre em pré-aviso em caso de necessidade), cumpro esquálida e arrevesadamente a incumbência para não desmerecer tanto das alvíssaras (deixem-me). Arrevesadamente cumpro, digo, porque o título vai em svenska e o acrónimo em albionês (word games just aren't my game, aliás, como tudo o que requeira exercitação intelectual... ou outra, for that matter), foi para o que deu a coisa no crânio (hum):
Take your saintly torn name and dwell endlessly nameless.
Isto, naturalmente, não é uma incumbência, e se porventura, em novo esforço (e cárcere linguístico) barthesiano, soar potencialmente irónico neste rendilhado nominalista, a culpa, obviamente, é da garganta metafísica (havia de servir para alguma coisa), não minha (credo, o que é isto?).
(e o sistema de romanização Hepburn é um achado)
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