quinta-feira, 30 de março de 2006

Straight to the point

Hoje, dentre as várias apetências que já trouxeram indivíduos de motores de busca até estas páginas, calhou-me a mais admirável de todas: «videos gratuitos de coroas fazendo sexo». Nem mais. Há que admirar quem sabe definir com tanto rigor aquilo que quer (principalmente quando quer algo tão admiravelmente exquisite), e esta frase de busca, para o meu entendimento, é um tratado de precisão.
Claro que, infelizmente, não tinha para dar aquilo que a criatura cá vasculhava (podia filmar-me a mim mesmo, mas isso só teria um efeito equivalente para quem não aprecia o género e lhe associaria a mesma proporção de desagrado, pelo que, até dado o meu desabrido apreço por "coroas fazendo sexo", nunca poderia macaquear a singularidade da sua iconografia).
O facto de este viandante ter vindo cá parar é pois ilustrativo da bizarra produtividade do Google ao agregar palavras para corresponder às frases de busca, acabando por compor uma self-image destes espaços bem mais atractiva que os seus reais méritos. A frase composta pelo Google, a partir de fragmentos dos meus posts, que justificava a minha inserção nos resultados para tal busca era: «... pena tentarem assistir aos vídeos de performances guitarrísticas que ... outros descendentes de primatas vão fazendo os seus barulhos ... homossexuais (do mesmo sexo, já agora), mas acha ... ».
É verdade que a montagem da frase podia ser um pouco mais limada (qualquer coisa como «tentem assistir aos vídeos de performances guitarrísticas que outros descendentes de primatas vão fazendo com os seus barulhos homossexuais (do mesmo sexo, já agora)»), mas mesmo assim resulta desanimador verificar que um motor de busca podia ocupar-se da redacção destas páginas com maior proveito para todos.

domingo, 26 de março de 2006

Ah, essas noites de Verão...

...em que débeis voluntariosos nos acometíamos aos batuques na esperança que regessem o bater do coração.

«Atalhemos caminho: não vimos todos os concertos, e dos que vimos só nos dá ganas de falar de dois: sem supresas, os dois que nos levaram à estrada, nos últimos dois dias do Festival Músicas do Mundo em Sines. Para que, não obstante, não deixemos escapar a espuma dessas noites, vejamos telegraficamente: Marc Ribot & the Young Philadelphians (ahh, young... com colaboradores de Ornette Coleman...ahhh, get it?), dá gosto, sim senhor, ganas de roqueiro que não cabe nessas costuras, e ancas funk a não deixar o free jazz a rédea completamente solta; a voz não dá mais que o mote, ora pois, e os teclados são vintage da lata tocados com o cotovelo. Groovy de forma assaz heterodoxa.

Astrid Hadad, mexicana, mais performer (?) que outra coisa, com música em papel estritamente funcional de pano de fundo para as encenações, vestimentas e vocalizações de Dietrich em esforço de Callas julgando que um bagacito ajudaria. Em disco não nos parece (verbo de precaução) que o barco (que a senhora também envergou) fique à tona, pela esquálida amostra de gestão das pretensas influências musicais que convoca. Em palco funciona para os bem-humorados, dá um stand-up comedy meets Kurt Weill meets Frida Khalo de pacotilha vagamente entertaining, mas com a ameaça do acutilante limada pela cativa comunicabilidade, que não chateia nem ofende. Exemplo de memória débil de um não hablante de espanhol: “me encanta estar en Sines, aqui todo es limpio, el ar es limpio, me imagino que mismo sus políticos séan limpios – aqui a multidão cumpre o papel atribuído de contestação, com apupo bem orquestrado - En México, todo és diferente. Miren: nuestro pasado fue terrible, nuestro presente és caótico. Afortunadamente no tenemos futuro”. Soa familiar?

The Master Musicians of Jajouka featuring Bachir Attar. Lamentamos, mas não estávamos em noite de transcendência, e das muitas maleitas de que somos portadores não fomos curados, pelo que ficamos a duvidar das propaladas virtudes desta agregação tradicional marroquina em registo minimalista-estridente, e com um músico a fazer as vezes de estimulante das hostes, gingando no palco e açoitando as vestes, o que deixa a pergunta etnoignorante no ar: “as bailarinas da dança do ventre ficaram retidas no aeroporto?”. Mais a frio, supomos que se carecesse de mais tempo e conforto para ajuizar das tessituras concatenadas de instrumentos que, no seu minimalismo, não se retêm num uníssono perfeitamente estéril. Mas não estamos em pulgas para o comprovar, não obstante a devoção de Brian Jones.

Kíla, Irlanda, banda de espectáculo, como Astrid Hadad, mas neste caso pelo lado mesmo da música, não da encenação (ainda que o uníssono com o fogo de artifício no castelo tenha calhado bem). Pôr os tradicionais clichés mais fogosos de música irlandesa na misturadora (solos à velocidade da luz nas circunvalações melódicas mais retorcidas do virtuosismo possível dos tradicionais instrumentos), juntar um pouco da electricidade para dar mais estática à populaça (mas sem chegar a borrar a pintura com chuveiros de sintetizadores), um bobo aos saltos como um Peter Gabriel-era-Genesis fora de prazo só com um fato, e, a esse propósito, umas pretensas derivações anunciadas para o rock progressivo, que a servirem algum propósito é tornar a sigla mais vácua. Bom para pôr a malta a gingar na relva. Nas bancadas ameaça o bocejo. Não nos tentou a deixar uns euros para os ouvir em disco (aliás, não os vimos... os tipos da banca de CD’s percebem mesmo da poda!)E, no entanto... no entanto, de nada nos arrependemos, pois que tivemos o Hermeto Pascoal e os KTU. O brasileiro demiurgo dos sons fez mais uma (o que não dá muitas... é de aproveitar quando há) visita à metrópole de outrora, e o reino mudou novamente de geografia. A carreira de Hermeto é algo misteriosa à primeira vista, entre a recorrente sedução de certos meios de jazz internacionais pela “novidade na areia” brasileira, e a quase reclusão nas fontes terrosas dos Brasis recônditos, onde vai, qual alquimista, aumentando o arsenal de produção de som – sim, chamemos-lhes pois instrumentos. Mas deste lado aparentemente mais anedótico não se retirem conclusões de pitoresco sonoro, sem mais. Ainda que a extracção sonora de panóplia inédita faça já parte da dinâmica do show Pascoal, não é o seu grosso, e muito menos se esgota e se fecha nessa dinâmica. Único momento efectivo de seccionamento foi o, não obstante, rico momento de música produzida por tubos de metal de diversas dimensões percutidos maioritariamente em pedra (e vêm-nos, só por um momento, os Gaiteiros de Lisboa à cabeça...humm...).Ritmo e harmonia. Dois em um, a baixo custo. O restante pitoresco, passou por solos em copo de água (a chaleira ficou em casa), e o arsenal de percussões de um dos filhos Pascoal, incluindo trem de cozinha multifunções, arsenal de construção civil, e bonecos de borracha que apitam. Todos, entanto, derramados no fluxo da imparável música de Hermeto, que brota de fonte cuja fluidez só mascara o enrodilhado das suas águas. Em documentário há longo visto, Hermeto dissertava sobre o processo de composição com a metáfora do papai ritmo e da mãe harmonia e a filha melodia, ou outro arranjo familiar qualquer. Facto é que da singela teoria do parentesco musical emana um emaranhado de fluidez cristalina que incorpora como turbilhão tudo o que a sua matriz jazzística pode incorporar, o que às suas raízes brasileiras dá acordo, e o que o puro gosto da invenção pode engendrar.Mas para além do virtuosismo, já dado, da música de Hermeto, é a figura humana que deste concerto também ressalta. À partida, há mais que espaço para todo o agregado Pascoal brilhar. O único pecadilho foi a única vocalista, como se já não bastasse ter que sustentar sozinha os devaneios melódicos de Hermeto, não ter aguentado em afinação alguns dos agudos impossíveis a que o tom de algumas músicas obrigou o seu potencial vocal, que lá chega, mas ainda não controla (problema que no magnífico “Mundo Verde Esperança” lançado em 2003, que ocupou parte do espectáculo, se dissolve pela distribuição do encargo vocal pela força mútua de um coro Pascoal – e se julgam que não há mais adjectivações Pascoais possíveis a aplicar, dizemos que é só por breve vénia à verdade que não dizemos que era Pascoal o “maravilhoso” bacalhau que – inevitável – Hermeto referiu ter adorado comer em Portugal).Já a intervenção solista de Hermeto, fora o copo de água, centra pontuais intervenções nos teclados e na voz (e o homem tem boa voz, vão lá ver!...), e, sejamos precisos, nos urros, nos quais muitas vezes incorpora asserções à multidão que envolve com a sageza do longo cabelo. E nesse arremedo, o que vimos? Vimos um insuspeito repentista brotar do sofisticado músico, improvisando verso sobre a falha do seu teclado (que durou uns bons minutos), para prosseguir arrancando (literalmente...chamem-lhe velho!) o outro jovem teclista do seu lugar (qual há que dar lugar aos mais velhos... ele é que o toma!), e nas breves transições de acordes na improvisação forçada descobrimos, atónitos, revelado à nossa frente, por exemplo, o ADN da música de Jobim. Quando um homem nos coloca isto aos pés como quem não quer a coisa, numa declinação harmónica a entoar qualquer coisa como “meu teclado pifou, isto não é conversa” (só que a rimar...), não há mais questão. Hermeto respira música, ponto, é brasileiro na raiz da sua desenvoltura composicional e improvisativa, que descarna para revestir de novas possibilidades, vírgula, e se tudo isto expressa por formas inauditas é porque já não cabe nos limites dos seus veículos canónicos.Felizes os que o puderam receber: são encontros que não se repetem.

Já os KTU é um daqueles encontros de músicos de pôr água na boca e apreensão no coração pelo que daí possa sair. Prolongamento do projecto Kluster do acordeonista (e a desingação nunca foi tão redutora...) Kimmo Pohjonen, a fazer jorrar lava de vulcões em ilhas de gelo à força de arremedos vocais e do instrumento, e Samuli Kosminen, em samplers, a refractar e ampliar no gelo da sua maquinaria o som bruto de Pohjonen; KTU reúne os dois músicos com membros dos King Crimson, Trey Gunn (guitarra Warr... e quando é que começou a ser preciso adjectivar guitarras com mais que um “eléctrica”?...) e Pat Mastelotto (rythmic devices...) . E desalento nos tomou quando vimos que a notícia que primeiro nos anunciou esta reunião era enganosa ao falar de uma colaboração com os King Crimson, e não só estes seus dois membros. Que faremos agora, com a hipótese de um Pohjonen meets Fripp na cabeça? Consolar-nos com o auto-convencimento que dois absolutistas sonoros não podem coabitar...Kluster era um potentado sonoro em si, na sua agregação telúrica a não abrir espaço para nos inquirirmos sobre o que poderia ser adicionado a algo tão orgânico. Ora, colocaram a questão por nós, e vejamos pois então a coisa dos prismas possíveis.O concerto em si, e é disso que podemos falar (os discos, entre demasiados outros que pudemos adquirir a preços simpáticos no âmbito do festival, estão ainda para audição cuidada), foi, ainda, experiência de som impiedoso, visceral no arrancar das raízes de produzir som, de comunicar primariamente o que nas entranhas se resguarda, e projectá-lo até outras entranhas perturbar. É difícil, no entanto avaliar plenamente o papel dos KTU (e não podiam arranjar designação mais enfezada?) nesse esquema de regurgitação sonora. A fúria que produziram no combo de Robert Fripp certamente que os tornou aptos a produzir uma mid-section atreita a sustentar tais esforços de projecção do som, mas Fripp instala-o geralmente no programático, onde Pohjonen se desloca mais no impulso contingente na acumulação sonora. E, efectivamente, nestes KTU, é ainda a palavra de Kimmo que vocaliza a direcção do som, mas talvez deixando uma maior amálgama com os crimsonianos como uma incógnita quanto aos resultados que poderia tomar.Aparentemente, estes servem mais como acréscimo maquinal às investidas de Pohjonen, conferindo-lhe mais sustentação e dinâmicas marciais. Foi, não obstante, notória uma certa divisão do trabalho, e apesar da centralidade de Pohjonen, claramente se pôde observar, a espaços, o dedo dos dois novos parceiros, em momentos de maior estruturação musical e harmónica, ou pelo menos, em momentos onde ela não é submergida nas projecções de Pohjonen das suas possibilidades de expurgar puro som há demasiado tempo e terra contido.Quanto aos KTU, fica a sensação de que Mastelotto ficou algo diminuído, conquanto sempre eficaz e implacável, na sustentação de apelos primais, avessos à complexificação rítmica que havia atingido paroxismos raros nas métricas de Fripp (estamos a pensar no disco “The Construktion of Light”), e já Gunn nos pareceu mais desenvolto com a sua guitarra faz-tudo (ele é baixo, ele é guitarra-arremedo-frippiano, ele é tapping para tudo...) do que nos Crimson, onde provavelmente a especialização do trabalho deixa menos espaço para tal expansão instrumental. Gunn pode pois ter alguns possíveis ganhos expressivos a fazer nestes empreendimentos. Parece que há um disco KTU por aí. Fica a possibilidade de explorar estas questões a quem o encontre.Não obstante, fora de outros contextos que não este concerto, não há questão quanto ao entrosamento sonoro destes torpedeiros, e à sua eficácia no prolongamento de experiências sonoras inéditas que, nesta versão, talvez ganhem em comunicabilidade (graças à maior estruturação rítmica, que não chega a cortar, e talvez a espaços amplie, as margens de expansão sonora de Pohjonen) o que talvez se perca em pura e crua radicalidade. Um projecto ainda singular, e de impacto avassalador em concerto. Com este ganhámos, não a noite, mas muitas noites, nas quais ficará ainda a ecoar, apelo de rasgada inquietação.

Ainda que não tenhamos propriamente acompanhado o festival, assinale-se uns poucos, pequenos, pormenores gerais de monta: a banca de CD’s, aparentemente a cargo da VGM, cumpriu com a apresentação de uma diversa mostra de world music (seja lá o que isso for) e a preços simpáticos (não sabemos se são preços de festival... não nos julguem a receber benesses de publicidade), o que é mais que de louvar (ainda que os jantares, ou a sua ausência, da semana seguinte não concordem). Excelente ideia a distribuição com os bilhetes de um CD com amostras de cada participante no festival, a fazer a melhor montra com aquilo que conta: a música a ouvir. E francamente, um festival que na erva que dispõe no chão, para conforto dos mais entusiastas ou os atrasados que não apanharam lugar nas bancadas, entremeia a fresca verdura com o perfume de uns quantos talos de hortelã-da-ribeira (ou será poejo?), só pode merecer toda a nossa simpatia e eventual indulgência, se necessário for. Quanto a outras razões, pelo que nos toca, a solução de deslocalizar alguns concertos para zonas abertas da cidade é a melhor forma de manter o Castelo como referencial central do Festival que, como qualquer sala de concertos, tem os seus limites, e isso dificilmente pode ser evitado, sem perda de qualidade e especificidade. Ah, e se têm estaleca, não se plantem nas bancadas: o vaivém de pessoas é francamente perturbador: neste caso, para quem pode, e dadas as dimensões acolhedoras do espaço, o esplendor é capaz de ser mesmo na relva. »

A subtileza do hipopótamo

A Pública (revista, não mulher) desta semana entrevista Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP sobre a temática do... futebol. Poder-se-ia conceber tal desconchavo, caso fôra estratégia editorial ampliada a todo o panorama da institucionalidade político-partidária, como exposição metafórica da arena democrática nos nossos dias. Mas a ficar-se por aqui, pergunto-me se não tinham forma um pouco menos deselegante de pretender pôr o senhor no "seu lugar".

Acrescento: também entrevistado nesta edição da Pública, como praticamente todos os meses; mais forte candidato a mandatário vitalício para candidaturas presidenciais (já bicampeão em duas equipas diversas); esclareçam-me quanto a esta bizarra conjuntura do espaço público português: a dita sociedade civil está reduzida ao João Lobo Antunes?

Anotação

A waffer é o poliuretano das bolachas.

Self-undermining bones

Magnânime e douta mulher (isto não é ironia), a quem desabridamente me penitencio por perverter para entirely (note-se) self-deprecating efforts as suas palavras e espero que não me leve a mal (e só para resguardar simbolicamente essa inocente menção, não a identificarei), afirma placidamente (isto tampouco é irónico) ser este lúgubre e inconsistente tugúrio onde redijo patacoadas «a seguir» e «interessante» (o que, por um dia, generosamente exponenciou a nossa audiência a dois dígitos).
Ora, esperançadamente impelido, pela credibilidade que me merece a enunciadora, a querer crer em algum ignoto fundo de razoabilidade estrutural a suster a justificação para tais confortantes palavras, para lá de uma feliz e irrepetível conjuntura de encontro de escrita/tema/leitor(a) (possibilidade que a recomendação sagazmente resguarda, pelo que nada disto faz sentido, mas apeteceu-me), a contragosto (e a despropósito, para quem se atenha à literalidade da frase, o que mais uma vez não é para ser o caso) só me vem à mente o final de uma anedota de duvidosa memória: anda patusco, já enganámos mais um.

quarta-feira, 22 de março de 2006

« Do I hear


21


21


21? »














(tem amanhã início o ciclo Pasolini,
sempre na Barata Salgueiro...
essoutra catedral)

terça-feira, 21 de março de 2006

Sessões contínuas na Barata Salgueiro (2) - (Re)Ver os bem-amados

Quase se alivia o desvalido das artes, a roçagar na carpete as rugas da rotina, sem conhecer na pupila o fulgor da danação de jogar e empenhar destinos.










Ou como a mitologia faustiana sempre foi de terrenas conjuras, mesmo quando no sopro expressionista do transcendente tomáramos como sempre presente o corpo insidiosamente tomado pelo fatal penhor das carnes cindidas no divisar das devoções (o assombro do bailado da ausência, está).
Para os cultores do bom-gosto sempre ditado por hodierna pauta, este extraordinário paradoxo a saltar as raias da datação os deixe a matutar: o artificialismo expressionista (da fotografia do sempre genial Jack Cardiff à carregadíssima maquilhagem que, reparem - será impressão minha? - se vai diluindo com o carregar do tempo da queda - la chutte) levado a cúmulos de antanho no (etimologicamente) inacreditável bailado, opera afinal como meio de decantar a lenda nos terrenos do real. Configuração da mais exímia materialização da dualidade do fantástico em película: ao mesmo tempo respirando do seu alento sobrenatural, e com os pés assentes apontando para o verdadeiro húmus chão das suas raízes.
A verdadeira tragédia (para quem não repare) foi toda feita de humano urdir. O demónio de Fausto sempre foi leitmotif. Os fautores das danações, depuradas e cristalizadas em metafísicas vestes pelas humanas culturas, sempre fomos nós. Terríveis nós. Pobres nós. Gigantes "arqueiros".

Lembrou-se-me...

«Já fiz recados às bruxas
do caselho à portelada
dei-lhes a minha inocência
elas não me deram nada.
(....)
Andei ó licranço
andei ao lacrau
no Monte do Manso
na Espera do Mau
vibra à carocha
ao corujão cego
na mata da Tocha
no rio Lágedo.
(...)»
(António Quadros)

segunda-feira, 20 de março de 2006

O Lexicógrafo (alusão em pálida peripatética litografia resignada)

Ainda que encasulado em todas as cautelas à enunciação parabenística, não resistir a esta sussurrava o cogito ser ainda mais descabelado despautério. Cindido na recuperação inane de argumentação na urdidura signíca da volvida alienígena língua que me envolve, ressaltava humilde baboseio: qual o sentido de o dizer, e como o dizer, a quem me faz ameaçar desistir do dicionário? Senão que na babélica unicidade (há muito que se não carece de mais que uma papila para o efeito) de tal dizer cornucópico, o resgate, aqui e ali, de um entendimento feliz amansava a contracção muscular do juízo (que nos tolhe todinhos), e deixava o desanimado harmonizado. Para mais, exorcizava, para o circunscrito, que somente se lá retornasse para, na cara de trouxa, se medir a distância simbólica de doutos folguedos. Ilusão benquista, q.b. para seu remendo, que se afanicou agora mesmo da penúria de seus mantimentos.
E assim, doravante manteria o silêncio sorridente, pois que era certo também que não seria das classificatórias precisões, que nunca empinaria, que se derivava o sentido, oculto nas fibras da carcaça. Aberto na autoridade do pleno acaso, João fixaria o sensato, quietinho cogitato, que «burro não é gato e nem cobra, para querer enxergar no escuro». E adiantar-se-ia finalmente um cônscio, apaziguado, parabéns.


(tentei com o gatinho, mas tropecei na rigidez da iconografia pré-formatada)

Da inconstância consentida

Oh, but he lives! Again! Da dimensão do abuso à estabilidade leitora, só a benesse assopra a censura. Já se sabe que inspirados da etérea imponderabilidade, há quem se dê mais vidas que a vida neste chaço blogosférico. Mas com esta esgota o fundo de maneio por bons tempos: agora fica e sem resmoneios.

(a menos que nas impnderabilidades ainda desse ao outro para se plasmar de novo nesta vida - senhores, as metáforas... Aí teríamos exclamação fresca recauchutada. Que tamanhos revolteares só se aceitam num sentido)

quarta-feira, 15 de março de 2006

"En Los Trigales"

Fôra o meu sósia artisticamente relevante (to say the least) a lá ter estado, e a conversa era outra.

(Eu só a custo os consegui ver sem interrupções na "emissão", e o som e imagem não estavam sincronizados, o que pode ameaçar tornar a sessão em curta-metragem do Buster Keaton, mas vale a pena tentarem assistir aos vídeos de performances guitarrísticas que benfazejo demiurgo blogonauta disponibilizou à nossa dedicação, em particular, se nada mais, à milagrosa interpretação dos dois andamentos finais da milagrosa Tango Suite do milagroso Piazzolla pelos milagrosos (estou-me a repetir?) irmãos Assad. Pela minha vidinha, que não vale um chavo mas é o que tenho e bem me custa, vos juro que é das veras coisas inapelavelmente belas que vos podem acariciar os tímpanos, pobres membranas tão prostituídas - vá, andai, andai, dêem-lhes o afago que eles merecem.
Já agora, para quem queira ouvir o milagre na íntegra e em disco, buscai a versão de 1985 no «Latin American Music for Two Guitars», não a mais recente re-interpretação no disco dedicado só a Piazzolla (absolutamente recomendável, nonetheless). A manifestação plena dessa transcendência foi mesmo há 21 anos, porque, é a chatice, os milagres também têm data)

terça-feira, 14 de março de 2006

Guita(rgh)mania

«Concertos de guitarra clássica são dos espécimes musicais mais rarefeitos cá da praça, pelo que esta série de concertos organizados em Festival Internacional e Concurso de Guitarra Clássica pelo Instituto Piaget em colaboração com o CCB foram um presente mais que bem-vindo a esses desvalidos audiófilos da guitarra. Os nomes apresentados não foram os da primeiríssima linha do instrumento, mas prometiam-se bem apreciáveis. Vejamos pois o que nos tiveram a oferecer nestas noites.

O grego Costas Cotsiolis inaugurou os concertos no CCB, com um programa bastante contemporâneo, mas já firmado no universo da guitarra. Aparentemente senhor de reputada potência técnica, Cotsiolis parece infelizmente reservá-la para exibir dotes musicalmente espúrios de velocista. De um programa sedutor, resultou um panorama desequilibrado principalmente devido aos espaços que Cotsiolis buscava incessantemente para dar azo aos seus desvarios: uma qualquer escala parecia suscitar-lhe uma incontrolável pulsão para o virtuosismo, resultando na generalidade das peças num descalabro dos tempos, quando não da própria inteligibilidade da peça. A espaços, deixa de se ouvir notas para se aperceber apenas movimento amorfo. O segundo andamento do Elogio de la Danza de Brouwer, com a sua cativante persuasão rítmica, ficou descaracterizado, as peças de Piazzolla (Campero, Milonga del Angel e La Muerte del Angel – a segunda na transcrição de Baltazar Benitez, e a última na de Brouwer, facto lamentavelmente não registado no programa nem na folha do concerto, tanto mais lamentável quanto são transcrições com muito de apropriação autorística das mutantes formas em que ao longo da carreira Piazzolla moldou os seus temas) resultaram trôpegas na má gestão da sua idiossincrática amálgama (por vezes uníssona) de ímpeto e lirismo.Nas peças de linguagem mais contemporânea, foi onde a estratégia de Cotsiolis teve menos possibilidades de fazer estragos, quanto mais não seja porque o seu imediatismo no receptor é menor para se aperceber dos danos à fluidez do discurso musical. Os quatro fragmentos de “Epitáfios” de Theodorakis e a endiabrada “Sonata op. 47” de Ginastera terão sido o mais conseguido da performance. Incompreensível, até para um presumível tecnicista, a opção, no último andamento da belíssima “Koyunbaba” de Domeniconi (que no seu fechamento compositivo e técnico estava a sobreviver aos atentados de velocidade de Cotsiolis), de arruinar a filigrana finamente urdida dos rasgueados por um terramoto indiferenciado de ruído no emprego dessa técnica, a destruir por completo os ressaltos melódicos e rítmicos que faziam o seu sortilégio. Um final desiludido para um concerto interpretativamente equívoco. O pretenso virtuosismo velocista continua a fazer estragos.


Já a prestação do Duo Kontaxakis-Ivanovich primou essencialmente pela segurança da performance: não é por acaso o reputado dito de Chopin de porventura só duas guitarras soarem melhor que uma – duas ancoram a audição de forma a matizar as debilidades sonoras intrínsecas do instrumento. Apostados numa divisão de repertório entre o clássico/barroco e o contemporâneo, diríamos que foi no primeiro que as virtudes do duo melhor se espraiaram, nomeadamente numa musicalidade que, conquanto apaziguada, nesse registo se degusta com prazer, justa fluidez e articulação. As sonatas de Scarlatti acabaram por soar bem seguras e urdidas, como o material merecia, embora a transcrição ou interpretação tenha abusado de certos floreados, como trilos excessivamente longos que quebravam a continuidade do tempo, dano notório na primeira sonata. A Suite de Händel ressoou em registo contido, contrabalançado pelo “Les Deux Amis” de Fernando Sor, que na típica escrita floreada para o repertório guitarrístico da época resulta bastante bem em concerto, certamente mais do que para ser escutada em casa. Os assomos de virtuoso, em Sor e em geral, foram cumpridos sem excessos, em plena integração na musicalidade da peça, com requinte tímbrico e interpretativo assinalável, resultando num belo exemplo da música de entretenimento que muita dela pretendia ser. A segunda parte do programa, conquanto não quebrando o profissionalismo (nada dispiciendo), não foi tão cativante, pelo próprio programa. De assinalar a coragem de se atirarem à excitante “Tonadilla” de Rodrigo, imortalizada (como sempre) na interpretação de Sérgio e Odair Assad, para a qual (facto assinalável) tiveram unhas q.b., em contexto de concerto, mas que, talvez numa tentativa de distanciação interpretativa daquele referente inultrapassável, sofreu de algumas escolhas dispensáveis: a gestão dos tempos no “Minueto Pomposo”, andamento menos exigente, foi algo infeliz, com uma gestão questionável dos rubatos e dos efeitos de destacamento sonoro, como um emprego desavisado do staccato em certos trechos mais distendidos, e a sua ausência em trechos mais precisos. Aliás, as questões que, por efeito de contexto, mais se evidenciaram na “Tonadilla” de Rodrigo, são algo que toda a performance em geral emanou, embora sem ruína da sua segurança persuasiva. O evitamento de ímpetos na dinâmica do som, criou a espaços uma ameaça de insipidez, mais uma vez evidente na “Tonadilla”: o tema inicial do “Allegro Vivace” carecia de mais sonoridade para que o delicioso contraste sucessivo com o mesmo padrão rítmico em pizzicato surtisse o seu efeito, que largamente se perdeu. Já no “Minueto”, o leito do suave rasgueado na secção central não conseguiu insuflar o contraste tímbrico e épico que a sua escrita convoca, quedando-se meio pardacento e descoroçoante, a pedir outro sopro. Quando o duo se empregue mais na sua existência musical como tal, entrosando a primazia da interpretação como um organismo pleno, cremos que os relevos que por vezes lhes faltaram possam ser desenvolvidos e fazer jus à desenvoltura e segurança técnica que já têm no seu subsolo para fazer crescer musicalmente. Uma mui agradável surpresa, como a paradoxal minudência do nosso comentário a questões interpretativas pode deixar perceber ao olho avisado.

Embora nenhum concerto do programa tenha sido deslumbrante, o de Darko Petrinjak foi o menos bem sucedido. Desde a audácia algo incauta de se atirar de cabeça, a abrir, à transcrição da “4ª Suite para Violoncelo” de Bach, que as debilidades do concerto ficaram expostas, com uma relativa insegurança técnica a pautar praticamente sem disfarce toda a prestação, embora a sua justa leitura do repertório não o tornasse fatalmente penoso. No programa contemporâneo, a que se dedicou na segunda parte, as debilidades amainaram, e deram para ouvir com algum gosto, por exemplo, uma peça de Nuno Guedes de Campos, “Clair - Obscur”, a empregar com alguma galhardia técnicas jazzísticas, como nas suas sucessões de acordes. Contudo, toda a toada do concerto ficaria até tolhida pela relativa debilidade da própria projecção do som e do timbre da guitarra, demasiado indiferenciado e metálico, provavelmente até devido a uma questão de – perdoe-se o tecnicismo... – mau trato da unha. Terá sido efeito do axioma de Segovia de se não poder servir dois amos (Petrinjak é também, ou primeiramente, contrabaixista)? Acomodação de quem, com carreira feita, já se dedica mais ao ensino que à prática instrumental propriamente dita? O nervosismo de que este instrumento é o mais implacável delator? Mistério...

Joaquín Clerch chegou, renomado, pautas à frente, nada contra, excepto quando se apercebe que são provavelmente muleta para quem não fez trabalho de casa. Com um belo som e timbre, e capacidades técnicas a condizer, não se percebe como, também ele a iniciar as hostilidades com Bach, a “Segunda Partita para Violino”, vão aparecendo as inseguranças, as pequenas falhas e, aí sim menos desculpável, as hesitações e os quasi-recomeços. Para quem faz do mister profissão, não é compreensível que se conduza um concerto sem pleno domínio do seu programa, o que parece ter sido manifestamente o caso. Por muito que a espaços a interpretação prometa, o imediatismo da hesitação interrompe a coerência. Já no plano mais picuínhas, mas consequente, é também relativamente bizarro que a este nível se empregue libertinagens do gesto artístico como afinar repetidamente o instrumento a meio de uma peça (por vezes, praticamente no seu término), ou não controlar o bater (sonoro) do pé no chão durante a performance. Para quem desconheça os pergaminhos do cavalheiro, houve demasiado odor amador.De qualquer forma, a segunda parte largamente redimiu-o, seguro, quer nas suas próprias composições (não espanta), quer com interpretações bastante consistentes e finalmente entusiasmantes da bela “Sonata” de António José e a clássica “La Catedral de Barrios”, em cujo prelúdio, Clerch pôde finalmente comprovar proficiência lírica. Um grande concerto a lamentar não ter acontecido.

Infelizmente não pudemos assistir ao último concerto de Dejan Ivanovic com o quarteto de cordas Lyra. De qualquer forma, os méritos do artista já estavam bem firmados com a sua prestação no duo com Kontaxakis, e o programa, fora o curioso (e raríssimo para semelhante formação) Quinteto de Castelnuovo-Tedesco, também não primava, a priori, pelo interesse. De ressaltar igualmente, embora o contexto demasiado informal do auditório do Instituto Piaget onde decorreu não tenha permitido condições humanas adequadas ao desfrute e avaliação condigna da sua prestação (com criaturas a mandar mensagens de telemóvel ao meu lado), a Orquestra de Guitarras dirigida por Christopher Bochmann, que para agrupamento tão singular conseguiu agregar repertório atraente, desde as fatais transcrições “classicistas” (Vivaldi, Händel e Tchaikovsky), nas quais resultou uma certa eficácia insuspeita na tradução da densidade de obras orquestrais para um naipe instrumental de um só timbre; até experiências de agregação solista sedutoras, como a transcrição de algumas das Canções Espanholas de Falla com soprano, e duas adaptações de peças de Pedro Caldeira Cabral (uma sobre o eterno motivo dos Verdes Anos de Carlos Paredes, a outra o “Baile dos Carêtos”), com o próprio em guitarra portuguesa. Com um pouco mais de trabalho na diversificação dos espaços interpretativos dessa uniformidade tímbrica (bem mais exigente do que num agrupamento de diversidade instrumental), e a reunião de repertório direccionado para explorar as possibilidades exigentes que outorgar música adaptada a tão curiosa formação implica, que neste caso ficou essencialmente restrita à peça original para orquestra de guitarras de Leo Brouwer, “Acerca del Cielo”, essencialmente dedicada a uma exploração das suas possibilidades tímbricas (como tal, pelo menos, um bom ponto de partida analítico), pode esta indubitavelmente ser uma experiência musicalmente produtiva, a prosseguir, tentando ultrapassar o estatuto pressuposto de mera curiosidade.

De assinalar igualmente a boa qualidade das prestações dos guitarristas concorrentes na sessão final do concurso de guitarra incluído no festival, de seus nomes Tomislav Vuksic (o vencedor), Tal Hurwitz, Kresimir Bedek, Konstantinos Bouropoulos e Pedro Rodrigues.Somos capazes de vir a ouvir falar dos moços. Todos com variações de qualidade no som, na técnica, na segurança e na interpretação, também todos apresentaram méritos que tornaram a sua audição uma experiência prazenteira de moto próprio, com a qual algumas prestações atrás comentadas bem podiam aprender qualquer coisa, embora também alguns vícios (como os tecnicistas) que amolgaram a prestação dos concertistas também já estivessem em alguns concorrentes bem germinados (não por acaso, júri assisado, foram penalizados por tal). Não é só na formação e em concurso que se tem que fazer valer o currículo.Nada mais a dizer. Excelente e refrescante iniciativa no estagnado panorama da guitarra clássica em Portugal, com o estiolar dos já de si tristemente longínquos festivais, como em Santo Tirso e na Trofa, que em tempos cá trouxeram a nata da nata do instrumento. Venha o próximo.»

domingo, 12 de março de 2006

Efeitos secundários da sociedade vigiada

Quando passo por um detector anti-roubo estou sempre à espera que ele apite.

sábado, 11 de março de 2006

Menos um dos poucos

(não, não é O Espectro - não é impunemente que se atiça a Clara Ferreira Alves?)
Até já

sexta-feira, 10 de março de 2006

Sucking-up: das felicitações blogantes, estratificações e infelizes metáforas

Os parabéns anódinos que pulululam (como um lu de acrescento, sim), à lembrança de cada blogão dos seus aniversários, que acabam por funcionar qual estímulo pavloviano a deixar averiguar da fidelidade das linkadas e leituras que erguem a torre da sua visibilidade, são um mecanismo institucional da esfera, a merecer lei abrupta, de sedimentação e validação das redes de sociabilidade (alargada) blogais. Contudo, mesmo aos implicantes, quando a malta gosta, eh pá, mas gosta, de um blog (já se sabe, os constrangimentos constitutivos), mesmo (ou principalmente) para quem não se insere em redes de sociabilidade nenhuma, lá nos cutuca a ocasião a penalizar o silêncio no estímulo ao clamor. Mas nesse caso, fellatio por fellatio, faça-se a coisa com devida retracção maxilar para a bucal textura de veludo esconjurar o automatismo bruto, ressentido no tamanco da dentuça a questionar o prazer da menção: assim, os parabéns, quando vão, que sigam com devida amostra do que nos acomete a cumprir função.
Parabéns pois (com devida heterodoxia de as datas não interessarem nada - no acerto ou desacerto - quando o fundamento é a persistente titilação de um post que nos mereça esse gesto consequente com ilustração adequadamente encimada) aos cavalheiros que se seguem (wether they like or not) assim escrevendo:

« De resto aborrece-me que algumas pessoas que ainda são de esquerda nunca tenham andado fardadas. Para que servem as ideologias se elas não chegam aos trapos? »

« Depois de desfulanizado, o desgosto de amor sabe bem. É preciso dizer isto sem recear de que nos tomem por masoquistas. »

E para inquirição futura dos efeitos combinados das configurações estelares, vem ó Maia teu esclarecimento sobre nós derramar, efectivamente, que raio de coincidência é que agrega as festividades destes blogs, mais o já louvado 1bsk ((your) ignorance is (my) bliss), dos poucos senhores de primeira água (estranha expressão) desta espelunca virtual (espelunqueiro se confessa), na mesmíssima época? Após a ínclita geração, ficou o lago preenchido (não cheio)? Pena que se careça molhar a pata para que um ser se aperceba... «too late to smother out the tell-tale footprints / which mark your passage through the greying snow».

quarta-feira, 8 de março de 2006

"Self-deprecating bones"

Resulta quase enternecedor, chega a inspirar-me compaixão, o esforço inútil com que se empenham em amolgar-me as pessoas que me insultam genericamente, como se me estivessem a dar uma grande novidade.

terça-feira, 7 de março de 2006

sexta-feira, 3 de março de 2006

Mulheres à Moda Antiga

Como tínhamos mencionado, entre os homens à moda antiga que nos acompanharam na despedida e acolhimento cinéfila de 2005 a 2006, vieram também acolhidas no pacote mulheres à moda antiga. Neste caso, escolhemos um excelente e menos óbvio (como más nos gusta) exemplo dessa possível declinação de ser feminino, a emparelhar com o scotsman de Roger Livesey a acompanhar os rumos ínvios de quem reza, ao engano, I know where I'm going, sob o olhar sumamente encantatórios dos superlativos "arqueiros".
Para além de uma datação de carbono 14 semelhante à dos nossos homens à moda antiga, na sua ars vivendi, o nosso acolhimento da expressão "mulheres à moda antiga" dá-lhe um sentido ainda mais rebuscado para a justificação das inclinações estéticas e existenciais epidérmicas. É que o entendimento dessas mulheres à moda antiga, que nos/se resgatam, é o de mulheres que se movem dentro de quadros socio-culturais relativamente cerrados do que é ser mulher, vergando-lhe os limites sob a indulgência idiota outorgada ao feminino precisamente por tais quadros (nenhum exemplo mais clássico que Marlene, a acoplar-lhe o beneplácito do estrelato - e fatalmente se erige o apodo lesbiano como pretensa, sem julgar de validades absolutas, chave de compreensão de tais heterodoxias representativas). Usar, pois, a definição indulgente dos limites da circunscrição para uma condição pressuposta menor, para os estender em pontos cardeais outros. Nesse jogo de cintura se fizeram alguns dos mais assoberbantes retratos de mulher no cinema.
Ora, junto com a parelha de homens à moda antiga que instalámos neste privatismo iconográfico, esta é a mulher à moda antiga, de bestial verve telúrica e aberta, que na sua assombrosa aparição deixa que, para quem tenha dúvidas quanto à bondade e justeza da expressão (nada de misoginia ou patriarcado incorporado aqui), não se careça de mais que o assomo clarividente da corporalidade e do olhar. Senhores, o olhar.

quarta-feira, 1 de março de 2006

Serviço público de blog (2) - Guitarmania

Não, o responsável pelo pueril achado linguístico não sou eu (tão pouco crédito em mim depositais...). Mas cumpre esta o fito de informar o excelentíssimo público que está a decorrer no Centro Cultural de Belém um conjunto de concertos de guitarra clássica sob a égide de tal infeliz designação: "Guitarmania" (ughh).
A guitarra clássica, instrumento frágil de se fazer soar, para o auditor e para o tocador, sofre para cumprir os requisitos auditivos de ouvinte dedicado. Não obstante, do programa, se não constam intérpretes de primeiríssima linha, há nomes razoáveis ou promissores, a merecer o benefício da dúvida, e certa diversidade de repertório (com um cheirinho de provocação contemporânea às hostes, a não recair completamente nos velhos clássicos e transcrições espúrias e duvidosas) e instrumental (guitarra a solo, em duo, e com quarteto de cordas), torna a coisa minimamente apetecível. Para mais, considerando que nem quando o rei faz anos o instrumento tem direito a expôr-se em palco para gáudio dos que se dediquem aos subterrâneos segredos dessas obscuras emanações, para quem tenha o menor interesse em alimentar ou explorar o raro (e por isso mais rutilante) requinte de tais sonoridades, a ocasião será, conquanto não a melhor desejável, certamente das melhores de que se dispõe.
Hoje, Costas Cotsiolis demonstrou o velho axioma de a quilometragem virtuosística atropelar o artista. Mas a malta agradece.
O resto do programa pode ser consultado em página do Instituto Piaget (organizador do evento: palminhas), ou na página do CCB.
Até sexta, todo os dias às 20:30, no Pequeno Auditório do CCB.
Eu serei o presunçoso, nos lugares mais baratuchos (salvo seja), que se gratifica a badalar a cabeça em jeito de censura às interpretações, e a aplaudir contrariado.

Tarde piaste?

Tampis. Que aniversário deste também não se deixa passar. Neófito, indolente, impaciente, inconsistente, o meu guia Michelin de blogs não se queda em muito poiso. Mas, rasando por este, ainda sem exercer o demorado apego de rebuscar os arquivos do olvido, basta quase um qualquer post, no declinar de uma frase, no esboçar clareado de uma ideia feita fresca na língua, para este ser dos poucos blogs (blargh), que em ocasião vou impenitentemente conspurcando à menção, que me fazem não desmerecer esta esfera (a minha inclusão sendo espúria ou acomentimento contrário).
Para que a afirmação não vá sem substância, só isto, material fresquinho, me cativaria por longo tempo a aturada atenção:

«É interessante que me tenha colocado essa pergunta, pois encontro-me precisamente a redigir uma tese sobre a omissão de figuras felinas na história da arte ocidental. Ocupo-me sobretudo do período impressionista. Nem todos os amadores se dão conta da subtileza de que um Monet deu mostras ao evitar inserir gatos na sua série dos Nenúfares. Cada quadro traz consigo uma nova e original aproximação ao tema, uma nova forma de declinar o leitmotiv da ausência de corpo peludo e rechonchudo, vagamente entediado.» (R.C., funcionário dos serviços postais, Massamá.)

Os parabéns são excrescento, não são? Pois são. Dito isso, quando não se lhes resiste, está mais dito que o que se poderia dizer:
Parabéns.

(De nada, for what it's worth)