quarta-feira, 31 de maio de 2006

quarta-feira, 10 de maio de 2006

In The Black Room

Cavalheiro a quem me apraz exercer dedicação, encarecida e justificadamente me preita que mude a negra cor de fundo deste tugúrio calcinado em tributo à sua legibilidade (bem a carece de raiz, quanto mais de forma). E diligente me abeiro do template e contemplo as cores, os formatos, as fonts, imbuído de não cristã mas dedicação não obstante. Mas no assomo do click, a cisão do clickador refulge, e ainda que com todo o corpo voluntarioso a investir o seu não menosprezável peso em pirueta acrobática em cima do botão do rato, vejo-me incapaz de servir com a justa acção quem me demanda.
Parece-me que o problema é simples (apelando à compreensão da visceral incapacidade do escrevente de vergar o gesto à vontade de mudança): tal como com o meu corpo, creio que seria incapaz de olhar para sequer a suspeita da minha alma às claras.

Destroço Supra-Métrico (quem não lhe apeteça, e muito bem, leitmotifs, mas só posts auto-indulgentes, pode ler a partir dos bolds)

Com certeza que you were not (talking to me) (although you could be): self-deprecation não implica self-delusion. Tal como em certo sentido, e entenda-se não pretendo salvar a face (já me explico), I wasn't (talking to you) (although I was, e isso não seja dispiciendo - para já, gosto de crer que good spirits se rencontrent indeed). Imbróglio gratuito? Nem tanto. A ver pois se me explico, porque a ocasião me é apelativa para fazê-lo (às vezes é produtivo): espero que haja a point no final, mas não garanto. Só garanto que I come in peace (porque o absolutismo auto-depreciativo pode assaz fazer confundir discursivamente as motivações). E que esta arengada vir na sequência de um presumível despique auto-depreciativo seria uma deliciosa ironia, sistemicamente incoerente, mas ontologicamente consistente.
Vejamos:

Cá no meu entendimento, a auto-depreciação enquanto modalidade de existência aponta para uma falência ontológica que é revertida na possibilidade de ancorar nela uma self-awareness que erga um último reduto de valência pessoal: nomeadamente a gestão própria dos termos da sua depreciação, resgatados antecipadamente do acusador indicador alheio. Ora, nessa linha fina de equilíbrio existencial, a auto-depreciação torna-se um absoluto enunciativo, que pelas suas características, para ser socialmente plausível, exige uma densidade biográfica que as palavras necessariamente traem se não se verifica. Daí que se plasme numa existência discursiva que deve ter na sua verosimilhança narrativa a condição da sua operacionalidade.
Há essencialmente duas vertentes equívocas de auto-depreciação que esboroam a frágil teia de suspensão onde tal vivente se pode equilibrar com valor ontológico: a auto-depreciação como exercício de estilo; e a queda abjeccionista. Ambas denegam, cada uma de seu lado de certas medidas de adequação existencial, a sua pertença a essa modalidade de gestão dessa condição de vivente (que se confundem, mutuamente constitutivas). A primeira, tende a denunciar uma certa superficialidade discursiva, ou porque se atém a entendimentos circunstanciais do vivente (não constituindo matéria ontológica), ou porque se emprega como forma de extrair respostas sociais determinadas (como a compaixão). Género, pois, de exercício discursivo que tende a esborratar a linha divisória e a validade social da auto-depreciação, depreciando-a (coisa que a vera dita cuja não pode aceitar). A queda abjeccionista, obviamente que não tem já sequer relação com a auto-depreciação, porque esta requer um equilíbrio tenso com os termos de uma presumível normalidade social: é nos interstícios de inadequação ou da insuficiência que os possíveis dos rumos socialmente prescritos compõem, mas não reconhecem (daí também a não-validação social generalizada da auto-depreciação ontológica), que se quedam os posicionamentos ontológicos da vera auto-depreciação. Ora, precisamente porque esta vê a sua condição ameaçada pelos mau emprego de certos simbolismos retóricos facilmente convocados pelos instrumentalistas do discurso, a vigilância da auto-depreciação (hence the presumable corporation) toma função suma para os corpos que lhe dão efectivamente densidade e aderência na carne (e não como exposição ou discurso fugazmente ressentido). É no reclamar desse exclusivo ontológico feito discurso que se instala a absoluta soberba que resta à auto-depreciação: regular os seus próprios termos e sobrepô-los aos empregues em discursos outros. Em certo sentido, cada ontologia auto-depreciativa é a única como tal existente.
Ora, nesse sentido, de facto, I wasn't talking to you, já que falava essencialmente de mim no reinstatement do meu absolutismo auto-depreciativo, although I was talking to you, e é isso que faz toda a diferença, porque porventura o último reduto de redenção da auto-depreciação ontológica (que, apesar do seu absolutismo, tem, coerentemente, que ter uma falha nas suas próprias fundações, e reconhecê-lo), é a soterrada concepção de que seja possibilidade falar aos outros falando absolutamente de nós (talvez até que essa seja a mais bruta, crua, nua, bela e válida forma de falar aos outros). E por isso, veladamente, seguem falando. As verdadeiras paredes com ouvidos. If you know what I mean.

P.S. outro - A sala não estava esgotada, e apesar da risota a despropósito, dos dois comentaristas atrás de mim, e da velhota a meu lado a comer chocolate e a sonoramente entoar com a Marlene a canção alemã que enquanto baronesa mimetiza ao piano (a Barata Salgueiro está cada vez uma melhor colecção de cromos - in the good and annoying sense), you were right (mesmo que seja indiferente que eu o diga). Só grafaria o último toque de forma diversa: Marlene cantaria une chanson de pute, triste (essayant de ne pas le paraître)(?!). A agonística da alma desvelada no (entre o) canto da alarve canção de puta, puta que se revive triste (a distinção, porque não me permito, e em particular recorda-me a deliciosa Melina Mercouri de Never on Sundays não me deixar, escrever que todas as putas são tristes), é também um estereótipo, mas os ditos têm que ser enunciados para se operar a sua ruína (literal, pois) e presumir a possibilidade e a verdade de uma vida para lá do seu fechamento. Entre a fantasia e o fatalismo, o híbrido é eloquente: (des)encanto verista talvez.

domingo, 7 de maio de 2006

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Heranças freudianas(?)

Sempre o enrubesceu o despudor com que os anglo-saxónicos trocam entre si displicentes desejos de «enjoy yourself».

Não, não é o mesmo post, só me apeteceu continuar com esta imagem no frontispício

E Continua!... (este post não interessa, é auto-indulgência e à conta de outrém, não há nada para ver, circulem à volta do destroço - eu, claro)

Eu juro, mas juro, que não me ando a armar em bom ou ao pingarelho, mas LMO continua a lançar posts com temáticas que tenho guardadinhas nos meus drafts. Está visto que não posso armazenar para o Inverno, por isso ou declaro falência e encerro o estaminé, ou assumo-me como irremediável subproduto intelectual a esgravatar o dito complementar.
Por enquanto (por enquanto), parece que será a segunda (até combina com a persona - não o...)...
Vinha isto a propósito da risota a despropósito que se apanha hoje em dia nas salas de cinema comercial em qualquer película. Mon cas (não o...) (sim, agora sim, estou a armar ao pingarelho, mas também sem um baixo patamar de auto-censura não escrevia porra nenhuma), no entanto, era na própria Cinemateca, agudizando possivelmente a hipótese explicativa de «o riso surge como um sinal (para os outros espectadores) de que se está a perceber "a coisa"»: já o tinha verificado, mas numa sessão em particular, Accatone na tela, ao meu lado um grupo de jovens (arriscando o estereótipo: estudantes de cinema) não cessava de cacarejar esforçadamente a cada aberta concebivelmente gracejante no contexto de drama neo-realista fatalista e já une quelqu'autre chose. E nessa situação específica, pareceu-me que o sentido da risada voluntariosa passava pela modalidade de pretender assanhadamente manifestar a presumível capacidade de recuperação da actualidade do gesto fílmico, só que (aí a incongruência) pelos códigos hodiernos da sua recepção. O anacronismo continua a fazer vítimas: assumir humildemente a estranheza, e partir dela, sempre foi mais produtivo. Lookin' on the bright side, sempre sublinham o valor do patético enquanto modalidade assumida de existência, não como consequência imprevista do voluntarioso exibicionismo de (in)seguranças ontológicas (o que é o geriátrico de gabardine marron e canelas estranhamente descoloradas ao pé disso?...).

Adenda "And THAT'S how you self-deprecate": are you talkin' to me? (definitivamente não o...). É que essa estratégia de simultaneamente provocar e minar a minha temível espada de Dâmocles através da sobrecarga sucessiva e inapelável de estímulos auto-depreciativos à minha autodepreciativa soberba (constitutiva da plenitude ontológica da dita) de regular os termos da boa auto-depreciação (inclusive autodepreciando-me à conta das tentativas alheias), já que nem eu posso ir a todas, é altamente perversa e (hélas) funcional. Não me parece bem.
De qualquer forma, para não sair de mãos a abanar, quanto ao «estou habituado a falar para o boneco», acho que estamos, por definição, conversados (the dummy wins, gniah ah ah).

(eu juro que vou tentar não reincidir...)

(e alertar para o Mamoulian no próprio dia em que passa, na sala que não temos receio de estar esgotada, não vale - aproveitar isso para auto-depreciação seria obviamente desonesto e valeria penosa sanção da corporação, a havê-la (if only...))

(oops)

(sim, ou não, de facto, não tenho mais nada que fazer)

quarta-feira, 3 de maio de 2006

Memórias constitutivas: And then it struck me...


...(em ambíguo e enganoso melodrama dos meus you know who desconcertantemente filmado e ressentido como se fôra parte produção de terror da Hammer) porquê o cuidado insistente no uso específico da expressão mise en scéne.

terça-feira, 2 de maio de 2006

O ethos

"O meu débil alento face à possibilidade de vir a procriar deve a um receio muito claro: não acredito na determinação" socializadora "do carácter, mas temo-a."


(para quem não seguiu o link para perceber a compósita perversão produtiva da citação, em abono da assumpção prevaricadora denunciamos este exercício como configurando um hetero-semi-plágio, pelo qual nos penitenciamos - o que, por motivos inconfessáveis, resulta sempre improdutivo, como ora se confere - e está incorporado no desenho involuntário, mas já por demais conspícuo, de uma série larvar, que flui por este breu, que se poderia intitular qualquer coisa como "And THAT's how you self-deprecate")

segunda-feira, 1 de maio de 2006

Marxismo carnal

Raríssimas vezes (duas ou três) o Chico Buarque se prestou a declinar enunciados emancipatórios a partir de cartilha política. Tanto que, quando o fez, por conta de circunstâncias excepcionais de requisição exterior, tal se torna imediatamente reconhecível no contraste com a sua obra. Basta ver como parte do locus de enunciação imagética da canção que se segue já havia constituído o belo e discreto corpus (avesso a derivação dogmática) da extraordinária «Samba e Amor», de 1969, a contrapôr, sem nada impôr, a incompatibilidade dos ritmos do amor com a rigidez horária constitutiva da civilização industrial (construíndo um mosaico de reconhecimento humano, sem forçar ou fechar conclusão), como: «De madrugada a gente ainda se ama / E a fábrica começa a buzinar / O trânsito contorna a nossa cama, reclama / Do nosso eterno espreguiçar»
Contudo, mesmo quando efeméride de serviço à contestação política, no contexto propiciatório da ditadura brasileira, o fez ceder esforço de enunciação a raisonnement ideológico dado de antemão, a coisa saiu-lhe assim (nesse lugar de tensão enunciativa e simbólica desvelando o seu peculiar enjeu criativo, na obra a que se refere), meio datada em certos referentes dados (como é quase de lei), mas, depois, estranhamente encarnada na vida esconsa e na vida imaginada dos corpos, que se pode espraiar na suspensão lânguida e quase ominosa de que é imbuída a efeméride (quem quiser fazer leituras tropicais também esteja à vontade).
Que é como quem podia dizer: bom feriado.



Primeiro de Maio
(Milton Nascimento/Chico Buarque - 1977)

Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas

Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é o seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu

Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhas do seu ventre
O homem de amanhã


(sou o único a quem a última estrofe lembra Frida Khalo? Humm)

(a música é belíssima. Infelizmente eu sou nabíssimo, e não sei postá-la. Some other time... as always)

(isto que está entre parêntesis já não faz parte da letra, atenção)

(se a última estrofe vos fizer lembrar o «Dead Ringers», é porque são uns perversos do caraças. Sim... eu sei...)