terça-feira, 31 de julho de 2007


Rerun

Já Antonioni é um homem de sorte: ainda que lhe colem o hínico epitáfio de «figura de relevo no panorama cinematográfico», não chega a ter direito aos dois centavos de conversinha elegíaca de café no Jornal 2 (dois em dois dias era mesmo abuso, não é?... não têm senso nenhum, estas figuras de relevo, a finarem-se aos magotes). Em compensação, na peça jornalística que lhe arruma as gavetas, a particularmente enfatizada descrição inicial de Blow-Up (até à pausa de compasso do discurso para passar à «cena de ténis»), é apropriadamente acompanhada das imagens da explosão final de... Zabriskie Point ("blow-up", get it? ah ah - e esta é a hipótese abonatória). Deve ser o que jornalisticamente se entende por liberdade criativa em registo literal. Deve ser pela mesma razão que tenho andado aqui estes dias a imaginar a eclosiva mansarda sita num sítio que eu cá sei na 5 de Outubro.

segunda-feira, 30 de julho de 2007


Agonizing miscasting

A érretêpê dois, casa de excelência do serviço público, faz o grande obséquio de entrevistar alguém no Jornal 2 para dar uma perspectiva mais alargada de Bergman. Alguém director de uma tal revista "Première". Alguém apresentado como «especialista em cinema». Que começa a titubear as etiquetas coladas 'popularmente', quase iconicamente, à filmografia de Bergman, pelo menos, em Portugal, desde a década de 70, quando começámos a brincar à vida intelectual democrática (o Ivan Nunes gives out the ideia de algum desse, de facto, peculiar impacto). Que persiste no estrangulamento generalista que incentiva a senhora jornalista a insistir na questão inaugural "mas em que é que se baseia essa singularidade de Bergman?". Que regurgita os "casais", as "emoções", o "intimismo" (ah, o intimismo). Que bate na tecla da influência sobre Woody Allen duas ou três vezes, porventura to 'connect' with the 'young people' out there. Que até fez o trabalho de casa para afiançar ufano, a sustentar a 'tese' dos "casais" como nicho temático do cineasta, de quantos casamentos e filhos foi o senhor co-produtor. Que, já chegando à menção inevitável de Saraband, à hélas inoportuna menção da jornalista de Liv Ullman como protagonista, lhe repete o nome "sim, com Liv Ullman", e se sente na obrigação de lhe acrescentar o outro nome que se impõe, "actor fetiche do realizador", assegura, e perde dois segundos a entaramelar o nome que não sai (não serei eu a ditar se legitimamente ou não), e em vez de pelo menos se quedar pelo assumido esquecimento, opta por lançar um qualquer coisa (que não Erland) "Jacobsen", porventura "Jacobson" (sejamos justos). E se o cavalheiro se sentiu à vontade para, ou obrigado a, aceitar a encomenda do bitate infra-wikipédico, até pouco me interessa. Eu peço desculpa, mas o que gostaria, oh pá mas tanto, de saber é se, seja lá quem for que chama as pessoas à mesa da conversa no Jornal 2, não sabia o que lhe saía na rifa (e não sabia quem chamar para saber o que lhe saía na rifa - e esta é a hipótese abonatória); ou se era precisamente um apontamento jornalístico sem chatices, sensibilidade e reflexividade, que lhe interessava registar como testemunho neste dia; ou se não havia absolutamente mais ninguém disponível, pelo menos das duas mãos-cheias de que até eu me lembro de repente, para falar, caramba, cinco minutos sobre Bergman como se, eh pá, coloquemos a hipótese, fosse algo mais, ou suscitasse algo diferente, do que uma entrada num dicionário portátil de cinema. Críticos com bagagem. Gente do cinema. Um velhote à porta da Cinemateca. Just anyone.
E fico à espera de verificar se amanhã (hoje nada vi) passam algo a fertilizar a memória, como costumava ser prática do canal nestas ocasiões (em geral, no próprio dia...). Um filme. Um documentário. Just anything.
Mas é óbvio que estou a ser afogueadamente injusto. A RTP 2, na sua complexa intervenção cultural, apenas nos queria dar subtilmente a perceber que se insistimos na negação memorialística da mortalidade, é para que nunca tombemos na tentação confortável de julgar e facilitar que um vívido legado de faca no ventre possa vir ser reduzido a redacção de escriturário.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Recado a Lisboa


Começar por um pouco menos de brio presuntivo na casa de partida.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Liquidação

Há quem empregue o blog como caixa de ressonância. Eu gostava de pensá-lo como estação de reciclagem, sem o subproduto justificatório do processo sobre-industrial. O que tornava a bloga equiparável à acusação patologizante, favorecida pela persuasão romba dos contra-ciclos, de ambientalismo acéfalo. O que até há pouco tempo se apunha com bastante fidelidade topológica ao recorte da apreciação mediática de ambos os fenómenos. Mas o intimamente recompensador da metáfora (pseudo-reflexividade infra-pública leva-a o vento) seria finalmente tornar a bloga uma forma particularmente retorcida de desperdício virtuoso.

Dancing about architecture

« “Writing about music is like dancing about architecture”. O aforismo é conhecido e disputado. Mas com a graça das proposições que incorporam formalmente as sementes do seu plural contraditório (tornando arena para obtusos o arremessá-las como argumentos fechados e conclusivos em disputa), o escrever música como quem dança sobre arquitectura, como é o caso desta obra encomendada pela Trienal de Arquitectura a Mário Laginha, torna o fechamento em absurdo do discurso sobre a música uma abertura sobre o discurso da música sobre si mesma.
Convém reconhecer que, a não ser meramente fruto de feliz acaso, a encomenda revela olho. Porque o, parece-nos que nunca devidamente louvado, Mário Laginha é manifestamente dos pianistas de jazz que mais tem expresso um saber peculiar de jogar com as dimensões e o peso estrutural da música, particularmente nas suas dinâmicas de saturação do espaço e a sua modulação harmónica. Dada a ductilidade subsumida do seu fraseado, não resulta impositiva, mas é singularmente manifesta a composição gráfica das suas estruturas harmónicas, oblíquas e esquinadas nos padrões rítmicos, mas estranhamente suavizadas pelos contornos matizados das linhas, algo sumamente expresso nesse ainda saudoso, logo, clássico, seu disco de estreia a solo «Hoje». E se é facto que a música precisa pouco de metáforas a enxameá-la, circunscrevê-la e torná-la de fácil digestão ao ouvido desprevenido, e não se precisasse de insistir na justificação explícita do raciocínio arquitectónico na erecção desta música, insistir um pouco mais na matéria torna-se, neste caso, curioso. É que essa fortíssima dimensão espacial, particularmente no seu trabalho sobre as massas harmónicas, vai-se diluindo pouco a pouco ao longo deste disco, para dar mais a ver os alicerces dos seus referentes. Ainda que não subjugado a uma submissão programática, é algo irónico que a sobrepujança da referenciação arquitectónica, manifesta nos títulos das composições, o tenha conduzido mais a uma rarefacção das figuras musicais que à sua expansão. Sendo justos, contudo, isso também corresponde a um alargamento da paleta das suas convocações musicais, ao arrepio da forte idiossincrasia já lhe havia criado uma personalidade estilística. «Plano» abre como uma folha de jazz impressionista perdida dos Prelúdios de Debussy, e «Baixo-Contínuo», sem precisar da denúncia do título, põe na malha diabólica de contrabaixo de Bernardo Moreira um evidente referente barroco.
Por essa paleta referencial perpassa igualmente uma maior aproximação à dimensão de obra composta, tornando mais ambiguamente esparsas as balizas jazzísticas do empreendimento, o que a restrição e arcaboiço estrutural da secção rítmica dos veteranos Bernardo Moreira e Alexandre Frazão bem ilustra. Uma palavra nos pedem os acabamentos da bateria de Frazão, particularmente, justifique-se a janela para outro canteiro, pelo que lhe ouvimos (e vimos, densificando a dimensão gráfica da experiência musical) no concerto de apresentação do disco. A pluralidade sensitiva e tímbrica da sua intervenção de pormenor, peculiarmente nos momentos mais contidos de lirismo fusco (não a nossa senda favorita do seu labor), arrisca por vezes uma riqueza de afago instrumental com uma sensualidade quase temerária.
Obviamente, se as metáforas podem ser restritivas na apreensão menos mediada da pura audição, por vezes também cumprem o propósito de lhe dar outras asas. O que implica que a atenção ao referencial comparativo das noções espaciais na estruturação deste disco resulta perfeitamente opcional para degustação selectiva. Mas para quem quisesse insistir na metáfora do absurdo, a justeza imagética na tradução espacial das suas composições (bastando seguir os títulos, como «Paredes que nos Rodeiam», «Escada», «Vazio Urbano») tornaria este disco um patamar eloquente do cruzamento discursivo que perpassa a liberdade elusiva das estruturas musicais. Porque, até ver, também que raio é dançar senão jogar o movimento sobre constrangimentos arquitectónicos, do espaço e do corpo? Mas isso aproximá-lo-ia de um disco de tese, parcialmente condicionado a testar uma hipótese. E se essa parece exemplarmente comprovada, queda ajuízar se por aí se justifica esteticamente o empreendimento. E aí se erige um espaço que fica finalmente a cargo da emancipação imaginativa de qualquer um trespassar na sua fruição, ou falhar na clausura da materialidade arquitectónica da pauta. De qualquer forma, provavelmente a resposta definitiva (outra ficção arquitectada) ficará pendente dos espaços em que a mutação idiomática de Laginha (mais significativa que o que lhe tem sido apontado) se continue a instalar, mais exactamente, da linha de fuga (para seguir no idioma) em que a idiossincrasia lhes transcende o motif da armadura.
Da nossa parte, suspensos nesta ponte do arquitecto Laginha, à espera do que aguarda da outra margem, só nos cabe cogitar que, se tanto música como arquitectura tentam iludir no seu plano a fixidez denunciada das traves-mestras, tornar consubstancial a música à metáfora (e saber se primeiro veio a metáfora ou a música é discussão digna dos ovíparos galináceos), e não somente explicitá-las como dimensões que se implicam, pode arriscar, para a sua plenitude desagrilhoada, exigir do auditor a disciplina de um Method actor, a quem se diz ao fazer girar o disco: “agora ide para aquele canto e não penseis numa parede”. A sério, ide. Depois direis de vossa justiça. »

J., l'encore plus fataliste? (2)

Sofrer é a panaceia?

J., l'encore plus fataliste?

De tanto nutrir uma perspectiva trágica da vida, acaba-se com uma perspectiva vivida da tragédia?

( )

Como se faz, quando se não tem palavras, quando não é comunicável na circunscrição da aceitação social o que corrói a nossa pertença a nós. Acolitados na invocação de almas outras dizia-se sing a song. Mas o que se faz quando até a voz se tolhe, quando já não ecoa a nossa vibração a ressoar nas cordas de outrém que melhor nos disse? Esgravata-se a memória das canções desses dias, à procura do consolo de um fogo que ardeu nesses dias, cujas cinzas colhemos e lembramos que cantava, como se fora hoje esses dias: «silence is here again, tonight». Porque já nem o silêncio é nosso para dizer. Essa memória é a dissipação do nosso dia.

Clamorosa e obviamente, non-Sigur-bela-merda-Rós-related

Kinky recordings

Dentro da inquietude claustrofóbica, não é sem um expiro de reconforto, pela possibilidade de subsistir nas temíveis clausuras das tipologias que insistem (e nas quais insistimos) em encerrar as ontologias e desejos de otherness, que se constata, em metáfora parafílica, que no plano das inclinações musicais seria possível subsistir perfeitamente bem como chubby chaser.











Duas luminárias rechonchudas com um mesmo fetiche por essoutro génio de sua anafada compleição...

Coincidence? I should think not...

Da incoerência virtuosa dos idos

Embora (porque) na plena indiferença democrática nunca tenha simpatizado com nenhuma das tribos urbanas a palmilhar calçadas nos idos de 1980's, não deixei de debicar do que dependuravam das aparelhagens (nem todos têm os seguidores que merecem...). Lutando contra o descrédito que lhes pesa do discipulado gótico que os idolatrou, portanto, continuo hoje a achar que os Sisters of Mercy (sim, abrenúncio) fizeram dois álbuns e uma mão cheia de EP's bestiais, e ainda me recuso a arrumá-los na gaveta dos guilty pleasures (embora tenham estado na gaveta dos old time pleasures, o que é muito diferente - quando os de lá tirar, se for caso, logo volto a dar notícias).
Contudo, recentemente tropecei num achado arqueológico da maior importância para amparar a tese da boa verve que animava as irmãzinhas à época (para além da recorrente derivação coheneana da própria nomenclatura e outros títulos - e.g. "Some Girls Wander By Mistake"): descobri uma inacreditável de deliciosa cover pelas piedosas, do "Gimme Gimme Gimme" dos Abba. Aqui vos juro que no meu disco rígido, para alívio possível das horas de desanuviamento em que me posso conceder maus fígados, whenever I like it, posso pôr o soturno Eldritch dos perenes óculos escuros a trautear «Gimme gimme gimme a man after midnight».
Não deixa de ser revelador da mais que disponibilidade, mas diligência, absolutizante de massas, que tantas agremiações difusas tanto se empenhem na farpela de um modo de vida total, ao arrepio da iconoclastia dos próprios presumíveis chefes-de-fila (presumivelmente, quando ainda, ou já, se podiam dar ao luxo). Ou de até que ponto a sagração/invenção moderna da individualidade não foi demasiado confiantemente (voluntariosamente) tomada por um dado aquirido de processualidades sociais de (auto-)identificação bem mais retorcidas. (senhores...)
(Sendo que ceci n'etait vraiment pas un post sur le livre de style de la nouvelle droite idéologique portugaise )

Warhol Update (on the prowl, celebrity-reversal mode)

For the benefit (não é homenagem ao exasperante Sgt. Pepper's) da minha autoridade cínica, ficou, na instância de um concerto mui caseiro deste simpático e imponderável casal de mórmons, claramente comprovada a minha reticência existencial à idolatria, por mais que justificada (justificada mas, e porque, sempre improducente: um obcecado na minha cercania carregando TODOS os livretes dos CD's, EP's e folhas de papel higiénicos resgatáveis dos seus ídolos, para o autógrafo, não paráva de balbuciar colado às cavidades nasais da Mimi - we're that close now - quanto gostava deles mas "o primeiro disco é que era" - 13 years down the toilet, portanto (não que, incidentally, não seja defensável a tese, em registo diletante)).
Dado o voluntarismo do Alan - buddy - em sentar-se à beira do palco para a cerimónia informal de devoção, lá me aprocheguei com um livretezinho (pronto, dois, vá, e o bilhete, já agora, indultado no abuso pela proximidade de alarves profissionais), e como criatura diligente entreguei-lho com o livrinho do Arseniĭ Tarkovskiĭ que tinha comprado no dia anterior no barraco de promoções da Assírio, para lhe amparar a assinatura (portanto se comprova que eram mesmo só dois livretes, quantidade sem massa crítica (porque não enfardados com letras nem statements artísticos) para amparar esferográfica, OK?). Findo o ofício, o bom do Alan fica a avaliar o objecto livresco que bizantinamente lhe havia deslocado para as mãos, folheia, estranha, e finalmente desagua na interpretação «is this for me?». A isto (momento da verdade XVI), com um despudor aflito de egotista estratégico que hoje me cobre de vergonhosa vergonha, digo com a frivolidade gélida de quem finge o como quem não quer a coisa, que "oh... that was just for holding the...", ao que ele me entrega o livrinho.
Escrevo-vos, portanto, qual Frankenstein da minha própria bestialidade, atormentado com a plenitude operacional do meu celebrity-reversal, a ponderar a eventualidade de ter deixado cativa do meu gesto a celebridade original deste jogo social, denegando-lhe a reciprocidade de uma recordação. Em compensação, e com a magnanimidade do meu new-found-status de celebridade revertida episódica, deixei-o com uma dedicatória oral inspiradíssima de simples e eficaz (que não desvelarei para que a não prostituís por aí, empresa de que me encarregarei pessoal e exclusivamente com a diligência martirológica de acartar o fardo do homem comum), com o grau certo de elusiveness, que o fez estacar, agradecer-me com olhar intrigado, e já estava eu a virar costas ainda acrescenta «have a good night», com aquela réstia (que se sabe frustrada) de retenção do momento, tipo, that guy could have something important to say, estão a ver o género?(não tinha nada...). Suspeito que pode ter sido o ícone russo (para mórmon, ortodoxo e meio) na capa que lhe pode ter promovido a hermenêutica da ambiguidade do gesto.
Mas é preciso matizar o meu materialismo individualista: já andava em busca oficiosa do livrinho há bons tempos, em parte pela intervenção biográfica fulcral da obra do filho na minha vida, descobri-o nas promoções amontoadas de 3 euros (preço justo), e antes de lhe pegar sequiosamente ouvi a menina do barraco a responder que sim a um cliente que lhe perguntou se era o último exemplar e não o levou (destino chapa-três, portanto). E o que se aprende amargamente nesta configuração cósmica é que, em certo sentido, uma pechincha de 3 euros pode ser uma preciosidade muito mais valiosa que _fill in the blank que eu ainda estou demasiado traumatizado com a minha vileza para racionalizar_.

Disclaimer: Alan, Mimi, acalmai-vos, apesar de não estardes a perceber patavina (just trust my soothing voice and excess of parentheses - dangerous maniacs are straightforward maniacs), a mirazita na foto é da minha inteira responsabilidade, não pretendendo contudo mais que formalizar graficamente um dispositivo metafórico, proveniente de arguição precendente na matéria, da predação simbólica de processos de proximidade na zona cinegética da notoriedade pública. A vossa integridade física está inteiramente segura comigo, por muito pulha que seja: não é por acaso que há um mandamento exclusivamente dedicado ao homicídio: os pecadores não andam a saltar em trejeito esportivo por todas as coutadas de infracção, valle? Pelo menos eu não. Mal tenho genica para um. Ao contrário do que rezam as loas da virtude, la paresse fait le bon'homme.