terça-feira, 29 de agosto de 2006

Fim

Terminara finalmente, com suada diligência, conquanto sem estrépito visceral de glória, romanesco ou biográfico, um livro, pela primeira vez em mais meses em que as agregações numerárias tornam aceitável fragmentar um ano.
Por um minuto, esforçando uma significância na parda calmaria da luz de candeeiro com duas de três valências luminescentes fundidas, quase sentiu recrudescer a ilusão de poder ser uma criatura funcional.
A completude tem muito que se lhe diga (a finitude nem se fala).

Penitência (a much more private call it joke if you can/will)

Escrever cem vezes no quadro preto (now there's a metaphor):

Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto Basto

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

A means to an end

Certas considerações surgem na sensibilidade dos tabus discursivos como algo obscenas por aparentarem colocar a questão da medida de uma vida. Nesse quadro, não sei se já não é obsceno considerar que certas mortes em vida possam ser “redimidas” (lá está) por um epitáfio. Mas certamente tropeçamos no impropério abstracto quando consideramos a possibilidade de valer a pena viver certas mortes em vida por certos epitáfios.
Um cavalheiro de quem as criancinhas já não devem ouvir falar, ou que desdenharam nos LP’s dos paizinhos, de seu nome José Afonso, na sua volumetria estratosférica fez vibrar à anima a pergunta «quem cantarei?».
Não sei se o remanescente vibrante do sopro que nos assiste, já só empregue no objectivo mundo das coisas humanas a embaciar regularmente o metal do escoadouro, não é a calada pergunta, “quem nos cantará?”. (e para alguns bravos a resposta foi "eu mesmo" - sem leite Matinal, claro)
Não sei, nem me interessa (não é matéria de arrazoados), o que significa a sequer falta de sentido temporal e ontológico (como quem enojantemente se faz à abjecção) de pensar to live for to die for this*. Creio, no entanto, que só poderia acreditar plenamente em quem fosse capaz de assim amar uma ruína, e ser essa a medida estiolada de um resgate aos fins profetizados.

*
«I wish I lived in the Power and the Light
I wish it wasn't Saturday night
Cause I can't raise hell,
no I can't raise hell for two.

I wish I had a thousand bucks
I wish I was the Royal Trux
But mostly I wish, I wish I was with you.

When I was summoned to the phone
I knew in my bones that you had died alone.
We've never been promised there will be a tomorrow
So let's just call it "the death of an heir of sorrows"
The death of an heir of sorrows.

I have not avoided certainty
It has always just eluded me
I wish I knew I wish I knew for true.

I wish I had a rhinestone suit
I wish I had a new pair of boots
But mostly I wish, I wish I was with you.
We've never been promised there will be a tomorrow
So let's just call it "the death of an heir of sorrows"
The death of an heir of sorrows.»

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Semiologia à queima-roupa 4

Dizer que eu era um desperdício de vida foi tanto a elegia mais triste quanto o elogio mais prazenteiro que me fizeram.

Requiem negado a um Inspector

Face a isto, como direi?, sinto-me assim como se houvera sabido da morte do Pepe Carvalho da minha desesperança que não por suma interposta pessoa (pelo que, é pôr-se a pau, que na falta de um Montalbán vou-me a outro...).
E nesse particular, sinto-me também, diria que, como que tomado pelo furor da Kathy Bates(seria essa? confundo o nome das gordas e das modelos todas...), a marretar os pés do James Caan pelos tornozelos em ângulo recto de rigueur, caso o cavalheiro escritor não se dignasse a produzir uma "ressurreição" verosímil da sua (sua) personagem (no meu viewer's cut específico para este propósito retórico, bem entendido).
Sendo, for the time being, um pouco menos psicótico nos actos, e mais no fantasismo, concebo, evitando que esmurre o monitor (mas à cautela é não despistar-se na Serra da Estrela comigo na cercania), que, qual Laura Morante a deflectir uma captura na barreira policial de estrada simplesmente perguntando ao agente onde poderia encontrar um exemplar da Divina Comédia num Algarve despido de outros estímulos que não balneares, na mais justa inverosimilhança, verosímil para o estatuto de escrito, o Inspector Rousseau ressurja no pleno ennui de quem sustém o pé a pressionar o angst mesmo no limiar da tona de água do esgoto urbano, enquanto assiste ao esventramento ocasional no beco do outro lado da estrada com a placidez inexpressiva de quem seccionou, como que em recorte ontológico, com tesoura para cortar os pêlos do nariz, a palavra cinismo do dicionário enciclopédico oferecido por um tia gosmenta na juventude. (too much confessionalism?)
Afinal, tiros na cabeça, que raio, isso como eu ao pequeno-almoço.

(em caso de antecipação de, ou intromissão em, alguma planificação de narrative mastermind quanto aos destinos narrativos aqui inquiridos, apresentam-se as desculpas e pede-se o favor de ignorar o relambório expurgado - à confiança (everyone does (present company included)))

© Montalbán © Reiner © César Monteiro © Basto

sábado, 19 de agosto de 2006

No, I'M the invisible man


Dizem-me que armar altercação auto-depreciativa com livretes, é, na sinceridade do arroubo, passo inegável na demência.

Eu cá gosto.




(ainda que para o caso, à luz da ética de auto-depreciação que aqui se postula, possa ser defensável apontar-me como abuso querer ser mais que um "Man" de cada vez)

Semiologia à queima roupa 3

A propósito de uma interpelação por escrito que questionava formalmente uma decisão da sua (ainda que por anedota orçamental, poderia ser chamada de) entidade empregadora, a resposta da dita sugeria ter sido naquela empregue falta de correcção, ao arrepio da sua substância.
Um pedido de esclarecimento face-a-face com a direcção, para dissipar equívocos, resultaria, como se nada tivera sido dito, na negação de tais insinuações e na prossecução de business as usual.
Poucas semanas depois, gozando seus simulacros de férias em destino ignoto, seria depositada na sua caixa de correio, onde se quedaria expectante, o aviso de recepção que conduziria na estação dos correios, em percurso de requintes tortuosos, a uma carta quase anónima da sua entidade empregadora informando-o da, também pacífica, não renovação do seu contrato a termo, após mais anos que os que, em boa verdade, a retórica economicista trendy aconselha a manter um posto de trabalho.
Nesse dia apercebeu-se de que, funcionando por critérios operativos, que não por fechamentos semânticos, o léxico do elogio é mesmo infinito.

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Dead End (2)

A consciência satura. Sabê-lo não dá vazão.

E tu, és copo cheio

ou cadáver adiado?

(com a vergonhosa vénia ao senhor Pessoa pela apropriação selectiva, porventura perdoável pelo encosto abardinado ao espírito que poderia assistir a quadras ao estilo popular)

terça-feira, 8 de agosto de 2006

That thing they call a legacy

Costuma ser sempre perversa, conquanto por vezes frutuosa (marketing-wise), a relação entre obra e criador. Para mais por entre as nuvens de haxe dos 60's a soprar para os 70's propícias à divagação mítica nevoenta para urbanitas desapossados de consciente colectivo com charme. E algures in-between se vão desenhado as devoções, ora mais confessadamente atreitas ao personalismo exacerbado a fixar idolatria, ora à exegese da pureza quasi-científica dos seus legados. Nas encruzilhadas que tal desenha, assim temos as heranças esquadrinhadas de tais como Brian Jones, a terem de ser peneiradas da imponderabilidade de dedo guru ou arrombo da percepção num arranjo; Barrett, a debater-se com legitimação psiquiátrica de um imaginário que pedia sim liberdade de camisas-de-força tipológicas; Morrison, a fertilizar cruzadamente música e mito até parecer o elogio dos inexplicáveis fulgores espasmódicos da sua arte ter de envergar calças de cabedal mal amanhadas no rabo burguês esforçadamente liofilizado.
Arthur Lee, no entanto, e possivelmente a despeito das suas intenções, ficou subsumido neste fruto incandescente da sua passagem terráquea. Quiçá danadamente (di-lo-ia?), tão terráquea, que se eximiu à morte lamentável que dá sepulturas no Pére-Lachaise e, consta, ainda estava para dar cenas algo passé no nosso Sudoeste (que raio de mito que se preze se associa a tal abardinice festivaleira? - já nem Woodstock, filhinhos). A verdade é que who cares? O disco gira, impoluto de juízos transitórios que o atem a um nome, face, narrativa espúria e divagação. Não dá grandes epitáfios, nem arroubos que aquiesçam em mal esconder a devoção. Mas às vezes é pelo melhor. A persona de um homem não tem que estar à medida da sua autoria. Para que a autoria também não se presuma sempre a medida de um homem (premissa vagamente humanista, altamente proto-egotista, of course - always seeding alibis, baby).

sábado, 5 de agosto de 2006

Esgotamento verboso

Já não se suportava ler.
Vozes cridas pressurosas, paradoxalmente apenas em eco distante ressoando, sugeriam buscar ajuda.
No confinamento de seu orçamento, ficava-se por buscar um dicionário de sinónimos.
No confinamento de interminável momento, ficava-se.

Crónica possível de um fim do mundo

Mirando os mundos desenhados em emanação dos possíveis no corpo da mexicana, na criança deitada na enxúndia, Holden, com um trago, confirma-os devindos impossíveis. E com moedas mal jogadas, pesarosas, para cima da mesa, na realidade desencantada do amor já só concebível como transacção da carne, sagra nos ecos do túgurio a decisão da marcha sacrificial de declarar com estrondo o estrebuchar do mundo que habitava. Borgnine e Holden sorriem(-se) no microcosmos do afecto calado que os une (particularmente Borgnine a Holden, por quem gritará; por acaso?, sendo aquele que à altura não disfrutava dos prazeres da carne com as prostitutas ao dispôr) na mesma ligação que leva Robert Ryan, traído por Holden, a já só poder opôr-se mortalmente a ele, em perseguição, na outra face da persistência da mesma união (mesmo na sua dissolução: "o que conta não é a promessa mas sim a quem a fazes"). Antes que tal apocalíptico ciclo se feche, the wild bunch acorda silente na acção de levar e assumir a sua condição social moribunda às suas últimas consequências ("why not?"). Os quatro homens tomam o passo de resgatar o companheiro cativo na boca do lobo. Mas aqui não há heróis, há homens ligados por um sistema de honra com suas regras particulares. Uma certa expendability nessas regras tomava lugar, como no abandono do corpo de um companheiro que apenas atrasaria a fuga. Salvar agora outro companheiro, Angel, não é acto bom, é leitmotif ritual para a sagração da morte.

"Angel" (no coincidence) conformava um espaço social em aberto para a existência destes homens, na sua dedicação social a formas colectivas de justiça (como a subsistência da sua comunidade nativa) ameaçadas pela anárquica institucionalização de novas formas de poder como as que made America (as corporações, companhia de caminhos de ferro; governos, exércitos e guerrilhas e pequenos senhores da guerra na crescente institucionalização da guerra pelo território; tudo criando um terreno de luta sem tréguas ou tergiversações pelos seus interesses, lançando condenados contra criminosos, sacrificando populações). Dedicação mais ampla que pudesse subsumir o subentendimento de honra que antes bastava unir dois homens. Robert Ryan, na sua perseguição do antigo companheiro e seu bando, pela traição do elo que os unia, ou pela liberdade da sua pena de prisão (derivada daquela traição) pelo homem plenipotenciário da companhia de caminhos de ferro, expressa o fim da linha para esta existência de agregação individual, na perversão autofágica e instrumental do que unia os homens nela enredados.

Contudo, sendo uma elegia, não se filma plenamente o apocalipse. Que a honra se pudesse converter noutro modo de vida, nos tempos em que a vontade de um homem só já se não basta, era outra história, que Angel prometia (e não protagonizou, mas semeou), e que Robert Ryan e Edmond O'Brien (perseguidor e perseguido (re)unidos na face da morte ritual dos companheiros) deixam por saber como se irá escrever.

Mas aqui se descrevia a morte do western como o conhecíamos, e essa descrição sim, plena, porque incorporava no mesmo gesto estético os dois tempos dessa morte: narrativamente, naquele tempo histórico da América, em que os homens deixam de se conjugar nos termos do seu livre-arbítrio; meta-narrativamente, nas condições sociais do cinema americano a entrar na década de 1970's, com o género fenecido esteticamente às mãos da transformação do seu contexto de recepção e a perda das suas virtualidades metafóricas ou reflexivas. Mas mais simbólico e sincrético ainda, era tudo isso estar inscrito nas rugas de William Holden (facto a que a sua apenas breve passagem fordiana assistia).

Young cantou "It's better to burn out than to fade away". Num certo sentido, Peckinpah filmou-o assim.