terça-feira, 21 de junho de 2011

Conversa pré-acabada

É sintomático, na minha medida, de uma ausência culturalmente anunciada, que já tivesse um rascunho disto há uns anos quando, vendo-o de passagem num veículo televisivo qualquer me lembrei como, typecast em jovem adulto em apascentada deriva (esse patético e extensivo paradoxo socio-geracional que nos deveria instar a olhar duas vezes para quem subitamente crê que as estacas de campismo foram concebidas para perfurar betão), o Timothy Hutton foi quase o Pedro Hestnes do cinema estadunidense; quase, primordialmente porque, infelizmente para certo cinema estadunidense (ainda que seja questão mais ampla), sem a insondabilidade. Espantou-me depois ver que a filmografia do Hestnes não tem tantas lacunas temporais (ou um absoluto vácuo com a entrada dos 1990's) como eu presumia. Na minha pupila, tinha havido Hestnes em basicamente Botelho, Costa, Silva Melo (com o Mozos fatalmente, e nos seus sentidos sociólogicos não desapropriadamente, adiado), e depois ter-se-ia esfumado fora do húmus de um certo coming of age, também estilístico, do cinema português. Em boa verdade, outra coisa não seria de esperar de tamanha encarnação cinematográfica do zeitgeist geracional de um país. Havia naquele rosto fechado uma translúcida história simbólica das subjectividades por fazer e, convenhamos, a toda a fixação simbolista a exposição à intempérie dos tempos só atrapalha.
Nesse sentido, não será talvez muito de estranhar que o desvanecimento do corpo de uma profecia que já se cumprira (ou fizéramos cumprir - um certa reserva de respeito pela inexpugnabilidade ontológica de outrem, e uma certa assumpção dos reducionismos perceptivos em que os encarceramos, convêm) a si mesma não cause tanta estranheza quanto a nossa boa consciência sensível possa desejar (e começam a assomar os sumiços existenciais em que o nosso silêncio é redefinível, na ficção destes dispositivos descarnados de interacção como nano-púlpitos, em perversos trejeitos culposos como "deixar passar"), mas não é bem isso. O que sucede aos seres desde sempre sequestrados no seu corpo presente por alguma ausência que nos torna a sua convivência irreparavelmente lacunar e já meio consumida - ainda ao alcance do toque - por uma névoa indissipável de perda, é que já só se aplica dizer, ao tempo da sua passagem, que vamos continuar a sentir a sua falta.