quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Let's fake I could make an add

Enquanto não blogue de cinema (eles andem aí), mas afim (aliás, o meu estado natural, afim de tudo sem ir ao fim de nada), fingindo que isto não é um meio entrópico e há gente desse lado a ler-me (pausa incómoda) que não receberia esta informação por outras vias mais directas (prossigamos), sendo eu um gajo extremamente afagável e sensível ao patrocinato, não tendo conhecimento de causa para vos pastorear ao redil com argumentos autónomos, mas tratando-se de uma iniciativa programada pelo André Dias (e bem me parecia que havia gente nesta ciranda a fazer mais que fingir adiar a vida) o que, no mínimo, lhe concede contornos instigantes mesmo às escuras, e sobre manifestação cinéfila a brotar (arrisque-se o desafio de se ser conscientemente contemporâneo de vez em quando), não digais agora pelo absentismo que não estáveis informados da passagem pelo S. Jorge de ciclo de cinema dedicado à dita Nova Escola de Berlim, de uh amanhã (31 de Janeiro, pronto) a 6 de Fevereiro (estranhamente, para lá da ausência de solidariedades de classe pelo evento - dir-se-ia que a consciência e seu exercício de classe blogosférica, ironicamente, não passam pelo seu proletariado estatutário, que não simbólico - a informação mais imediatista (esqueçamos os trepidantes plot resumés da prache) do programa deve ser esta daqui).

Claro que os penados do meu purgatório não desconhecem os meus mais imediatos motivos para o incitamento: tenho o S. Jorge como o espaço cultural mais deprimente de Lisboa, e como tenciono passar por lá estes dias (poderiam portanto brincar ao "quem é o diz que blogger", o meu passatempo de frenologia forense invertida favorito), preferia ter aquilo acolchoado de gente (quero-vos como às minhas almofadas, no fundo). Depois do último fiasco de público a que lá assisti, devo porfiar pela prevenção dos efeitos psicopatológicos daquele buraco negro às moscas. Se há algo mais deprimente do que um suicídio em massa, é um suicídio que ponha especialistas a debater num telejornal qual o limiar quantitativo para atribuir o galardão.
Oh pá, e se forem cinéfilos da minha confraria, acrescentem este pensamento: é capaz de haver gente nua (um dia explico).
(now IS there such a thing as bad advertising?...)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Off to the (movie) show

Se os infindáveis folhetos sob o comportamento infra-civilizacional de gente mal-catalogada sem respeito pelas convenções sociais tácitas de se permanecer uma estadia numa sala de cinema (das estadias curtas, prosaicas e sentadas, bem entendido, não no sentido da ética borderline metafísica de rendição fantasmagórica ao passado projectado que lhe chama sua catacumba nostálgica, tipo Adeus Dragon Inn) , já são quase tão reiteradamente cansativos quanto aquela falta de maneiras (o que o torna o genre de post imediatamente ignorável que tem caído que nem ginjas à minha missão bloguística incógnita), é manifestamente porque não temos atentado suficientemente à subtileza simbólica de tais manifestações nem lemos suficientemente Edward T. Hall (no meu caso seria sempre um understatement, mas para sobrecompensar a banalidade temática temos que carregar no index citacional).
A democratização dessa prevaricação, até por dentro das portas do templo Cinemateca, também não ajudava ao discernimento do método comparativo, já que também aí, com a minha presunção missionária, infalível em admoestar prevaricadores com os meus já lendários esgares de reprovação a fazer murchar as bochechas dos meus alvos já que os seus olhos nunca se atrevem a acusar o embaraço petrificante veiculado pelas minhas pupilas de Medusa, não podia criar o distanciamento semiótico requerido.
Felizmente, o campo propício de mais uma sessão muda, mas esta (no bote Luís de Pina) cheia de gente (o que é invulgar, permitindo-me delegar as manifestações bananas de descontentamento, como os fungares muito diligentes, na vizinhança), criou finalmente, para mim, condições de legibilidade do encastramento e estruturação desses comportamentos aparentemente desviantes como formas de comentário simbólico sobre o que se desenrola na tela, e nesse capítulo, apesar da quase uniformidade dos meus campos de recolha de dados, devo dizer que o público da Cinemateca é um terreno etnográfico assinalável.
Indubitavelmente desaprovando as mansas primícias do slapstick sovietizado d'"A Rapariga da Caixa de Chapéus" do Barnet, apesar da sua manifesta eficácia e inventiva visual, as intervenções da audiência não funcionaram senão como um sistema de compensação (falha-me a metáfora mais gira de engenharia) da insuficiente satisfação das expectativas com que haviam entrado na sala, claramente mais interessadas pela precisão hipodérmica no manuseio desse código importado pelo cineasta, que pela prefiguração do seu idioma na idiossincrasia da sua iniciática apropriação de um estilo relativamente formatado.
Ao invés da banalidade dos comentários exasperados, típicos de um espectador ("oh, duh, is this supposed to be funny, duh"), o "espectador" da Cinemateca já está para lá dessa passividade frustrada, e imediatamente pensa e reage como um cineasta. Vai daí, começa a desenrolar-se colectivamente pela audiência uma sequência, certamente irregular, mas esforçada, de motricidade cómica aplicada, iniciada inevitavelmente pela camerata de telemóveis, um clássico francamente pedestre certamente arrastado por neófitos (que eu tentei, debalde, enriquecer contrapontisticamente com a circulação ruidosa de fluido pelas cavidades sinusoidais ou assim - a minha, até hoje inconsciente, indolente secção das orquestras de protesto - apesar de no caso em apreço estar bastante contentado), e a composição também ainda juvenil de jogos de sombra na tela por espectadores a chegarem atrasados (com os estafados sacos de plástico danados para a brincadeira) e a forçarem filas inteiras a erguer-se para lhes dar passagem, mas seguidos por um curioso sketch (sem chegar a gag) de um casal, com a esposa sentada a ver o filme, e o marido entrando de rompante, medindo o filme de alto a baixo e sentenciando "este não é o filme!", trocando mais 30 segundos de recados desinibidos com a respectiva e voltando a mirar a tela a ver se lhe topava um indício de escárnio por lhe ter trocado as voltas ao que teria de lhe ir às fuças, e voltando a desaparecer intempestivamente porta fora, para 5 minutos mais tarde o bom camarada que pica os bilhetes, ao deixar entrar mais uns retardados, se dirigir directamente (isto está tudo bem pensado) à senhora que ainda lá permanecia encalhada dizendo "parece que o seu marido está a chamá-la", a qual, resignada com o fim da sua guest-appearance, trota para fora da sala.
Contudo, mesmo com esta sofisticação interactiva com a matéria fílmica, é manifesto que o domínio ou a consistência do idioma cinemático deste público apresenta inconsistências ou divergências estéticas, já que entusiasmado com o despique das peripécias, alguém não resistiu a saltar etapas e coroar este crescendo desengaiolando uma canora e arrastada bufa, a que toda a demais gente, quase que já em condições de reapreciar um bom humor escatológico tão longe dele se votaram but (hélas) not yet, votou um desaprovador silêncio. Felizmente, por essa altura, Barnet já tinha decidido aumentar o gás da paródia e a risota reconciliou-se com a projecção sem necessidade de mais ad libs.
Podem arremessar os mais acintosos comentários aos consensos mortos da cinefilia hard-core, que não será na tela que já viu estas manifestações exuberantes de dissensão que eles irão colar. Mas um dia, se me passarem atavismos devastadores para a minha sanidade envolvendo ruídos de manjedoura, prometo que vou assistir a uma sessão no Colombo ou assim para tirar teimas.

P.S.-Ontem, no Nimas, dois cavalheiros engravatados e com idade para ter juízo à frente de quem me sentei (can I pick 'hem or can I pick 'hem?), após sonora comoção com a tarefa imperiosa de desligarem os telemóveis, passam o filme inteiro a dar emprego à matraca ("ah, agora é a Mahalia Jackson", profere entusiasmado um, apenas para manifestar o quanto o considera um momento privilegiado para lhe dar acompanhamento comentarístico): claro enunciado pós-macluhaniano de que a massage (e bem estive para lhes amassar o lombo, se não fossem dois e se não bastasse meio) já não carece do medium. Fiquemos atentos, que estes também prometem.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Oh meus amigos, tereis de ter paciência, é que nem se dá o caso de ter ouvido mais que mão-cheia de

discos deste ano, mas se o tio Wyatt até se deu à maçada de editar qualquer coisinha para nos poupar de continuarmos a reiterar a senhores a oferecer-nos camisas-de-forças que o Cuckooland ainda era o melhor disco de 2007 com recurso a uma dissertação construtivista da calendarização ocidental ou uma teoria física relativista do tempo com a palavra quântica lá pelo meio (shoulda spent more time in wikipedia for this one...), com franqueza, parece-me um pouco, digamos, deselegante andarmos aqui a brincar aos tópes

É que, vamos lá, nem é que alguns de vós não tenhais excelentos trunfos no bolso, eu reconheço. Mas por uma mera questão de cortesia para com quem é desconfortavelmente confrontado com a contemporaneidade com um disco do Wyatt, devíamos deixar as outras coisas estou certo que muito louváveis (e várias amostras dizem-me mesmo que sim) que nesta arbitrária grelha temporal saíram, para o melhor do ano que nos dizem ser 2008 (but we don't buy that, do we?), com a suprema vantagem de por essa altura a pobre indústria aproximar os preços um cadinho mais de 1500% do custo de produção e eu poder de facto ouvi-los com um pouquinho de dignidade. E nem é que o disco seja necessariamente uma obra-prima, mas só porque o homem tem a óbvia superioridade e generosidade de estar acima dessas secreções teleológicas e conceptuais (senão nem se podia entregar jocosamente à not so private joke de tocar uma cançãozinha do Eno à guitarra acústica (ah pois), nem brincar com os amigos às orquestras de gamelão). De resto, mesmo sem desconstruir essa coisa das primas, tem logo a abrir a melhor cover do ano (humildade mais profícua não há), a melhor canção de amor de cândido despudor, a melhor canção panfletária, e a melhor canção utopista do ano; e nem sequer é alguma destas a melhor canção do disco. Não vejo propriamente que mais se pode pedir. Portanto, escusais de me estar a desconsiderar com a tarjeta de mecanicista estatutário.

Dá-se, aliás, o facto de o resto dos poucos discos de gente com estatuto prévio (com as devidas décalages gigantescas entre eles, mas enfim) que ouvi não me justificarem o incensar público. O disco dos Radiohead é um tremendo tour de force cultural (em sentido amplo), mas é ao pôr toda a gente a falar da sua estratégia comercial em lugar da raquítica colheita que apresenta, sem sequer terem tido necessidade de recorrer à frase de escape que tinham muito bem dobradinha na carteira pronta a sacar à polícia de costumes "de que é que estavam à espera para música à borla?". Nem é que já nem mostrem resquícios do savoir-faire maníaco desse portento que ainda era o Hail to the Thief, mas a maior parte da matéria-prima é que nem justifica a precisão do escopro (para irmos ao mais longe, "House of cards" é uma pastelice rasa que não esperaria ouvir num disco dos Radiohead depois de 97).

O meu avatar Black Francis achou por bem ressuscitar a sua nominalística sagrada, e mais valia ter estado quietinho, que sob a profana designação Frank Black muito satisfeito eu deglutia a parte (cada vez mais escassa, é certo, mas) de genial menoridade do seu cancioneiro a solo, mas com este sacrilégio de invocar o seu próprio nome em vão (esta mania de os deuses se crerem senhores de si), dá finalmente razão ao epíteto sardónico do Prindle de o bom do Black ser a chubier, dorkier Pixies. Não é que eu não possa vir ao volante a afocinhar numas quantas traseiras automóveis por estar a esgroviar a guedelha ao som do disco. Mas é mesmo só porque I'm weak that way (sempre com a consciência de que posso vir a negar tudo isto).

E embora pareça mal neste seguimento, até os Interpol, que haviam na estreia cometido o prodígio de me titilar as cordas revivalistas, até então e após perfeitamente entorpecidas ao ai Jesus dessa chavalada toda a redescobrir o frisson de uma Fender, e cujo segundo oferecimento ainda era metade muito aceitável, à terceira tentativa produziram uma perfeita estopada, de gravitas de fancaria monocórdica e balofa. A seguir por aqui, mais dois discos e transformam-se nos Keane (se os Keane forem quem eu estou a pensar ter passado por dois segundos num clip na Sic Radical).

Ah não, por acaso agora me lembro para me fazer festinhas à marretada, que, precisamente após um esforço apenas estritamente meio degustável (e logo este após uma obra-primíssima), o meu casal dilecto de mórmons, só eles a me fazerem sentir culpado por fugir dos seus supostos correlegionários em proselitismo de rua, que teve aliás a imensa bondade de vir tocar para mim ao Santiago Alquimista, lançou também este dito ano um bem estimável e bravo disco (ninguém ligou, alimárias), a relembrar que a fazer girar o mundo está não só o vento a soprar nos cabelos da Gena Rowlands, mas a ascensão tremeluzente do vibrato da Mimi (a afagar a angst descalibrada do Alan, não esqueçamos).
E olhem, porque é ano novo, mais vos digo que tanto não me ofereço ao automatismo estatutário e à servidão calendarizada (suck on this, Gregorian) que, verdade seja dita, o homem que mais desamparadamente amei este (dizem que) ano, até ao paroxismo carnal (silenciado da monodia melancólica há 34 anos, e subtraído aos passos deste mundo há 8 anos, ainda se me dá um aperto no coração quando penso nisso), foi o sujeito jeitoso ali de baixo, da rugosa doçura mal-escanhoada que já não há. Se um dia desemperrar as 15 páginas seríssimas e compungidas a clamar pelo mais amável maverick do songwriting americano talvez diga mais qualquer coisa para os unchosen-ones, que não vêem logo ali um irmão e deixam cair quando muito um indiferente "quem é aquele gajo?", que entretanto não quero gente para aí a profaná-lo bafejando uns dignos de pecado mortal "ah sim, isto até é giro" e tal, com a voracidade indiferente do short-attention span. É como digo: isto da internet quase só vos faz mal. Valha-vos eu.