terça-feira, 3 de abril de 2007

Talk to the hand

«Os Gnidrolog são uma das recentes (re)descobertas dos baús do progressivo de 1970’s. (Re)descobertas, porque as descobertas é substantivo agora reservado para grupos que nem sequer chegaram a editar à época, e que são ressuscitados com edições fora de tempo do que nem então chegou aos registos musicais. Tudo isto se parece descolar de um renovado interesse no género, que globalizações, internet e sociedades de consumo possililitam para a exploração de um novo nicho de mercado musical. O supremo exemplo de tal são as hodiernas ressurreições de bandas que, sem um contributo artístico ou sequer sinais de vida há mais de duas décadas, voltam à vida para mimetizar mais ou menos esqualidamente os seus espectáculos daqueles idos, ou, em geral mais desgraçadamente, editar novo material.
Os Gnidrolog acompanham em alguma medida esse passo, ainda que não tenhamos ouvido o seu mais recente disco editado já neste milénio (e não estejamos em pulgas para o fazer). Contudo, os pergaminhos que deixaram dos seus dois registos da década de 70 são, na verdade, assaz recomendáveis, e é de alguma forma espantoso como as arqueologias discográficas deste período têm, neste assomo de ressurgimento do progressivo, conseguido desenterrar a velocidade constante algumas pérolas de música deste fértil contexto temporal.
“Lady Lake” é o segundo álbum desta banda, cujo nome constitui anagrama arrevesado do nome dos irmãos (mais uns) Goldring que a encimavam, e é marcado caracteristicamente pelas especificidades de várias tendências progressivas da época, muitas vezes identificadas com as suas bandas seminais. Neste caso, francamente, haverá quando muito uns cheirinhos de Gentle Giant em certos tiques de composição, mas apenas em um ou dois temas (como o derradeiro), e, pela valência superlativa dos sopros, a única aproximação mais certeira será talvez a algumas sonoridades dos Van der Graaf Generator, embora no caso dos Gnidrolog os sopros não cheguem a ser instrumento de construção de pontes para outras esferas de som. Simplesmente demonstram-se de uma eficácia a toda a prova nos seus riffs a régua e esquadro que detonam as colunas com a eficácia de um acorde frippiano em dia viperino, com um certo enraízamento telúrico e um negrume gótico muito próprios (de que nem as achegas pastorais de uns Jethro Tull são propriamente próximas). Peças como “Ship” demonstram à exaustão a eficácia deste combo siamês de sopros, que se ocupa por si só de praticamente toda a sustentação da rítmica que sobressai da composição. No caso do final de “I could never be a soldier”, tal suma instrumentação chega a tornar válida a espera de que despachem quase dez minutos de uma balada de inspiração meio hippie (se os hippies se dessem mais a inspirações góticas em florestas de sombra do que ao flower power) para a sequência que termina e redime a peça em esfuziante cavalgada sonora. A sombria faixa título, repete, num crescendo de mais eficácia, uma declinação temática semelhante ao método de “I could never be a soldier”, até atingir um menos surpreendente clímax, mas este carregado de fatalidades, contendo ainda uma introdução ritmicamente admirável, mais uma vez comandada pelo incansável exército de sopros.
Há ainda duas baladas, a desolada “A dog with no collar”, a antecipar o tom sombrio da faixa título, e a irritantemente adocicada “Same Dreams” (musical e liricamente – haja pachorra, já em 1972 versos como “we share the same dreams/the same hopes/the same cigarettes” eram cliché repetido à náusea). No entanto, o ponto alto da singularidade instrumental e composicional do grupo será talvez o seu culminar, “Social embarrassment”, que, se a espaços tem vocais que ameaçam fazer justiça ao título (intencionalmente?), cedo, na cadência impiedosa dos instrumentos em curvas e contracurvas tonais e rítmicas, desmancha, no seu rigor composicional de constantes angularidades imprevistas, quaisquer reservas. Estes senhores merecem inquestionavelmente um lugar reputado entre os mais refinados agrupa- mentos do progressivo da época: não sei se repararam, mas na indubitável excelência instrumental dos cavalheiros não surge um único exemplar da praga de teclados electrónicos da época, geralmente (geralmente) malfadadas máquinas de criar ambiente e cama para sinfonismos ou trips espaciais de pacotilha. E isso, no nosso livro, dá-lhes pontos a rodos.
A única infelicidade da edição que nos disponibilizou recentemente esta delícia é reunir os dois únicos álbuns da banda num só CD, o que a carteira agradeceria se no processo não se tivessem dado ao trabalho de dar cabo das capas dos discos, reproduzindo-as ambas em miniatura no frontispício do CD. Em épocas de downloads, não cuidar da estética do objecto CD (quando a atracção dos belos vinis também ressuscita), é um hara kiri das próprias editoras. Atentem, por exemplo, nas cuidadas reedições recentes dos Beach Boys: é possível manter alguma dignidade mesmo nas edições 2-em-1 – os melómanos de carteira à míngua também têm direito a alguma qualidade... já bem basta terem de rebuscar nos caixotes atamancados das promoções.»