segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Bom ano para mim

Para quem propugna que a invisibilidade social se conquista, tendo tido o invejável sucesso de apenas ser submetido a um telefonema de aniversário este ano, a coisa poderia soar a uma profecia que se cumpre a si mesma (e que benemeritamente me poupa no saldo de respostas no telemóvel). Mas não é bem isso. Eu bem recebi duas ou três mensagens de bom ano. Mas, intrigantemente, nenhuma das pessoas com quem falei ao telefone nos últimos dias, com conversas de passagem de ano inevitavelmente ao barulho, me desejaram bom ano (nem eu tomei a iniciativa, claro está ó supremo pilar da reactividade). Poderia uma perspectiva confessional descortinar aí a remissão dos votos de bom Ano Novo, por homologia descabelada com a luta contra a dessacralização das festas religiosas, para uma esfera de enunciação privada aos fiéis da causa, à communitas (neste caso profano, naturalmente, communitas de bacantes versus misantropos desmancha-prazeres). Como poderia defender a elisão do ano novo como ocasião de desgoverno hedonista, a exponenciar na proximidade do desfrute uma lamentável descaracterização de uma presumível pureza cultural natalícia. Por uma vez, tenho que dar um passo atrás hermenêutico. Dado o centro de gravitação da amostra (euuuu), só posso imaginar que, nesta altura do campeonato, a estes interlocutores tenha já parecido francamente escusado desperdiçar aí um desejo, o que abre a hipótese de este poder ser um campo discursivo propício a um fascinante exercício prático de waste management da boa-vontade de cartão (o que nada tem a ver com nos querermos bem). E agora venham cá dizer que as pessoas não aprendem nada com a história.

Behold and AWE at the spawning of new language from the depths of the loins of my liquid plejades


(gostaria de frisar que isto foi escrito sob coerção directa e ameaça de terríveis represálias caso me furte a lubrificada vangloriação por sabe Deus que não se consegue arranjar melhor (e a secreta esperança de o Hilton ter uma percentagem no testamento para o povo empenhada na promoção do wordplay liceal). Refém contrariado em causa própria (história da minha chama-lhe sobrevivência até aos nossos dias), a declinação ciclópica (e potencialmente desagradável à visualização) da proeza inigualável com que unto lascivamente as meninges, sob a autoridade cósmica de uns Tangerine Dream (nem Roma se fez do nada), é inteiramente da responsabilidade de Yesterday Man. A Yesterday Man o que é de César. Avé nós (una limosna por el amor de Dios))

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Na outra margem, por sobre a calçada portuguesa (faking nagging Vasco Barreto #54)

Parece relativamente evidente que a geografia foi modificada, e a Margem Sul é, no presente, bloguisticamente, um dos mais trendy place to be (ainda que o mercado imobiliário esteja estranhamente um pouco lento a cavalgar a onda migratória de luxo oratório) (Coimbra sendo já um clássico, prestando-se mais a distracções nos mapas turísticos da cena). Mas na ausência (yet) de uma consciência universal do facto, convém refrear as sequelas mundividentes da exuberância cosmopolita a sul do Tejo para a (im)precisão geográfica com que se olhe para o resto desconsiderável do mundo. Sem contestar o ditame vidaliano e o aconchego anímico de postular que a transumância é literariamente produtiva, temos também que reconhecer que mudar de código postal não é exactamente o mesmo que chegar à nova morada a torcer a roupa após cruzar um oceano. E para a restante blogosfera interessada, sem a compassividade de um aforismo goreano à mão para a ocasião, confesso que me espantou o silêncio aparentemente sem apreensão por il ritorno di Vasco Barreto in patria.
A menos que fosse um pacto do não-dito para não materializar a ameaça fantasma, eu por mim confesso que muito temi pelos efeitos baqueantes (de baque, está bem?) da deslocação. Ainda (e porque) mantivesse em Nova Iorque Portugal no coração e na pena (miauu), a buffer zone atlântica de alguma forma parecia nutrir uma não-chega-a-ser-paradoxal omnipresença planante e distanciada sobre as guinadas fenomenológicas aqui do quintal, enquanto lhe evitava o fascínio cabotino com o happening cosmopolita (começo a odiar a palavra) quotidiano das esquinas das avenidas. O descompromisso engajado perfeito, no fundo (o que levava a que nem fosse essa a necessária centralidade do seu opus in progress).
Naufragado agora cá na terra, como não temer que se visse incapacitado, como pelo amor de mãe sufocante, pela impositividade material das manifestações paroquiais de vida que antes poderia, mesmo com maior constância que qualquer nativo, gerir na saudável distância de estrangeirado que as excitações comunicacionais ainda não (felizmente) obliteraram, mas já tornaram pertinentemente transponível? Em certo sentido, esta transferência poderia ter tido bloguisticamente o impacto de um regresso de Nabokov à Rússia.
Francamente, o meu único descanso nesta inquietação toda foi, dada a prolixidade (mesmo com controlo de qualidade) barretiana, que, com toda a probabilidade, tomando a sua futura autobiografia mais facilmente o título de "Shut your yap for just a freakin' second, Memory" que outro assim nessa linha, o único problema que se lhe colocasse, como o próprio indiciou, fosse eventualmente o de ter que seleccionar um pouco mais o material print-worthy dentre o imparável e incompreensivelmente regrado stream of bloguingness. Tendo deixado passar o tempo para nos sentirmos seguros de novo, mesmo assim, para aquietar as almas perturbadas que se não manifestam, deixo aqui o aviso de que me encarrego agora mesmo de iniciar uma vaquinha para, em caso de necessidade, se comprar um bilhete de avião para correr desveladamente com o homem daqui. Quem me quiser ir ao porquinho (para enfiar lá qualquer coisa, that is (much better)), é favor avisar primeiro.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Vale morder e arranhar

Eu sei que marcar calendário num blogue com a minha periodicidade renitente é menos que risível e potencialmente mais que enfurecedor caso o aviso seja pertinente para alguém. Mas um qualquer desavisado sortudo justificará o teaser e a frustração infligida aos interessados que falharem a data (quem vos manda poderem passar mais que um dia sem vir desesperadamente em busca de novas minhas?).
Neste mês de Dezembro nada menos que dois-deux-due filmes de António Reis e Margarida Cordeiro passarão na Cinemateca. Afora o valor intrínseco do acontecimento, nem que lá passassem todos os dias, estímulo inquestionável sem carência de mais circunstâncias abonatórias para imediatamente se abandonar a caseira ass-shaped cushion (falo por mim, claro), ocorre que nem DVD nem o diabo a quatro trará, até ver, estas películas a burguesas (e convenientes) mãos (e a minha videocassete doméstica da Rosa de Areia não está para empréstimo, parem de pedinchar, é humilhante) que se fornecem de "cinema" na FNAC ou na prevaricação internética (coisas que podem ser justificáveis, sim, mas só na falta de melhor opção). Por isso, é favor cancelarem as vossas vidas, a começar, esta sexta, porque às 21:30 a primeira instalação da dupla efeméride do mês passa na Sala Dr. (é mesmo assim, tão pitoresco) Félix Ribeiro, e intitula-se «Trás-os-Montes». Dia 11 passa «Ana», às 15:30 (julgavam que o cancelar as vossas vidas era piada, não? - fake a heart-attack, tenham uma recuperação miraculosa na ambulância, e peçam para vos deixarem na Avenida da Liberdade porque já agora têm que ir à repartição de finanças).

Mais aviso que não consta que haja palavra passe, seguramente estaremos em disposição concêntrica, e envergar o hábito não é obrigatório, mas olhem que ficavam bem na fotografia.
(para tudo o mais (a expressão é para ser levada à letra), para quem não soubesse, é favor dirigirem-se aqui)

Of course not, it was me

Se a "não-identificação" com as nossas palavras, ilusionada (vá, não chateiem) pela intermediação tecnológica de um meio de produção de discurso, como o blog, pode ser condição de nos capacitarmos psicologicamente a escrever, a sobre-identificação com as palavras desses outros com um passo atrás à mão é a condição mediada de engajamento prosado que nos faz coabitar voluntariosamente nestas arquitecturas pessoais perspectivadas pelos próprios de fora, e, não fora o autor levar o teste da não-identificação das palavras próprias ao limite assinando-as por baixo, tentando-nos à fraude do roubo de identidade e eventualmente clamar fui eu que escrevi isto.
No fundo, a melhor forma de elogio blogosférico (esquecendo as suas potenciais ambiguidades para quem escreve para not-so-hidden agendas implementar) pode bem ser, por breves segundos e a espaços regulares, ter vontade de apagar alguém do mapa.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Teutonic sugar plum daddies

Lendas low-profile (mas lendas) do krautrock, e (o meu obrigado à organização, não obstante) algo que não contaria ver in our lifetime (they're old...), os Cluster passaram há umas semanas pelo, eu acho (não obstante a bizarra funcionalidade vai-a-todas do pedaço), decrépito mas com porte de instituição São Jorge, num evento (Número Projecta - don't ask) tão super-out-there quão correlativamente sub-sub-publicitado, a emanar as suas nuvens de algodão doce crispado (na intersecção de fim de carreira entre as primícias dos augúrios de tempestades estáticas e a sagração heterodoxa da pop sem pop sintetizada em ponto de caramelo). Isto para audiência de talvez duas dúzias de marmelos mal pintalgados na volumetria daquela velha glória dos cinemas históricos. Isto a meio de uma allnighter com mais 4 performances de electrónica, vanguarda sonora(?) e VJing (I told you, and I meant it: don't ask). Isto levando a que ao fim de uma hora de sugestão hipnótica, negociando visivelmente entre si o fim necessário da sessão terapêutica, a dessem quase imperceptivelmente por finda e, na face de uns aplausos mais salientes recém-despertos com a percepção de que o silêncio não era só mais um estádio na dinâmica da evanescência, se desculpassem com o facto que tinham que terminar porque havia mais convivas a seguir para entrar em palco.
Pronto, foi mais uma relação do cosmopolitismo de recurso na cidade de Lisboa. Vemo-nos no próximo misplacing de um must-see, combinado?

(lamento informar, mas a performance sónica do Rafael Toral até não foi mal esgalhada de todo. não digam a ninguém que eu disse...)