terça-feira, 27 de junho de 2006

Ganhámos o campeonato!!

não...
eu porfio e porfio, mas mesmo para quem careça de inflamar o peito com feitos expurgados das "bocas do inferno" da nação, a metáfora empalidece na face gloriosa da verdadeira notícia:
os Gaiteiros de Lisboa têm novo disco!!!
Lançamento, hoje, em concerto no CCB.
Perpetuação, todos os dias vindouros, no exíguo reino dos sons que nos ultrapassam e perenes se entranham, na alquimia que se enraíza em, transcendendo, imaginários e húmus reconhecíveis e a reconhecer.
Descaindo um pouco mais o discurso (o O'Neill que aguente), porque implicativo is how I feel:
Ai Portugal, se fosses um disco dos Gaiteiros, deixavas-te de merdas...

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Aviso à navegação

Como se pode começar a vislumbrar (não ler o que precede este aviso sem o tomar em conta), em solidariedade com o descabelamento colectivo instituído com o mundialito, os meus níveis de auto-censura estarão num all-time low.
Agradecimentos institucionais ou pessoais não serão necessários. I do it for the people.

Making amends

Afora algumas boas almas solidárias, ando a ser acossado pela minha incúria no apoio à selecção nacional. Pelo que tentei. Esforçadamente. Diligentemente. Eu que em curto exílio estudantil britânico não evitava um estrépito suplementar na espinha e na fonte de comoção quando punha a cassete dos Gaiteiros de Lisboa no pequeno leitor que me amparou.
Mas que querem, como sabemos, nestas coisas o corpo e o coração mandam, como os fervorosos adeptos da simbolização inane denunciada pela hobsbawmianamente desvelada invenção de tradições para a integração nacional bem sabem, e eu, no meu resto decrépito de corpo e cérebro, no meu pobre imaginário anómico, confesso: eu bem ouço e repito, "Força Portugal!", mas, no fundo bem fundo do bom nacionalista que devo ser (e como tal, cônscio de que para unir a nação qualquer merda, e de preferência qualquer merda, basta), creio que a imagem que me sai foge um pouco ao guião...
Mas se a desmiolada agremiação é que de lei, pois seja, como bom capacho, serei solidário, e com a pátria urro:

FORÇA, PORTUGAL!!

Apropriação Social da Tecnologia

Há uns tempos fui surpreendido por uma incursão inesperada da automação no universo de consumo cultural português, com potencial significativo, se considerarmos certa vulgarização do acesso a produtos culturais que se tem vindo a fazer por via do hábito social sedimentado e categorizado de «ir à FNAC».
Endereçando-me por rara vez à FNAC do Colombo, sou, ao dirigir-me para a caixa, interpelado por sorridente funcionária, que me quer ensinar a despachar eu próprio o pagamento das minhas compras, para tal disponibilizando a loja uns novos tamancos mecânicos no qual o próprio consumidor pode registar e pagar os seus consumos. Como não consigo resistir a uma carinha laroca (pronto, confesso, também não consigo resistir às menos larocas) (pronto, confesso, vou com todas) (OK!!! PRONTO! Eu IRIA com todas, se ALGUMA fosse comigo! Irra!!... Satisfeitos?!) lá me submeti à demonstração.
Contudo, posteriormente, tentando enjeitar a sensorialidade de repulsa que me dava lidar com aquele resto de cenário do «Metropolis», pus-me a elaborar um momento sobre a tessitura de transformações que tal poderia configurar:
- uma certa proletarização de certas vias de consumo cultural (queres livros mais baratos?, já havia a versão, "atira-os ao molho para o caixote e os badamecos que vasculhem", agora é cada um se amanhe com as suas compras, regista, paga, enfarda – dou-me agora conta que o enfarda era descrição suficiente para todas as operações, waste of time – dou-me agora conta que perdi mais tempo a dizer que perdi mais tempo – agora aprendi a lição, calo-me – e o calar faz perder mais tempo – portanto o término do discurso é sempre um artefacto enquanto o sopro expira - hummm – e denunciar isto como infantilidade participa da infantilidade, pelo que o silêncio do delete é a única marca possível de certa sobriedade... curiosos os limites discursivos da própria sobrediscursividade... bem me parecia que silence is better – mas pronto, já agora acabo...)
- mais uma pequena desumanização do processo social de consumo
- mais uma repartição e complicação burocrática do erro e correcção no processo (logo na primeira “experiência” cobram-me um euro a mais por um artigo: lá tem o cliente que se dirigir a um outro departamento – desta feita humano, quem diria, que isto com a máquina não há desvios processuais. Efeito provável e esperemos que não esperado: o cliente pensar se o euro justifica o pastel)
- mais um espaço de empregabilidade em dissolução.
Mas principalmente fez-me estacar mentalmente a obscena ironia de tornar parte das tarefas de uma funcionária explicar aos clientes como utilizar o processo que a tornará excedentária.
Claro que a quase tudo se pode conceder um lado positivo (em geral egocêntrico), pelo que logo pensei que assim posso comprar os mui conspícuos volumes kinky da Taschen, desembaraçado o obstáculo de ter que enfrentar a potencial reprovação velada do humano na caixa.
Fora tal apropriação instrumental, contudo, temo que a minha resposta futura a tal apelo a solidificar a máquina será a da resistência possível, se necessário com libidinal (conquanto infrutífera) verve afiançando: «eu gosto mesmo é de operadores de caixa».
Purr purr.
cof cof (bola de pêlo - ao vivo soa melhor)

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Agora é que avisam (não que fosse candidato...)

Nightfall

Apanhei-o um destes dias nas ocasionalmente generosas madrugadas (apenas e só as madrugadas) televisivas, e há, digamos que, um procedimento estilístico (viva o film noir) que muito me apraz na primeira meia-hora ou assim. É que apesar de mais tarde verificarmos, ilustrado de forma quase beatífica, que os "bons" e os "maus" estão perfeitamente delimitados, sem zonas intrínsecas de sombra ontológicas (nada de complexidades psicológicas, portanto), nessa primeira parte, essa identificação não é possível, porque a percepção começa por estar organizada em torno das situações e da acção dos personagens descontextualizadas. Como a entrada no filme é logo com o enjeu de film noir da perseguição e da atribuição da culpa instalado, não há situamento narrativo (nem grande sugestão simbólica) que determine o papel de cada um nesse intrincado (que será progressivamente desvelado precisamente com recurso a flashbacks que sustentarão essa verdade narrativa, até então velada). Assim sendo, na primeira parte, aquilo que é a necessidade de identificação dos personagens vai sendo eludida em função dos equívocos que alimenta o olhar "neutro" da câmara ao seu estar em situação, sem discurso de intenções, sem demonstrações simbólicas. De alguma forma, colocando a clarividência ontológica na dependência contingente da percepção. Ponto de vista que é, na verdade, reforçado exactamente pela unilinearidade moral dos próprios personagens, ancorando a ideia de que mesmo os mais impolutos seres podem ser sempre situacionalmente ajuízados como o seu inverso. A ontologia ou a colocação moral de uma pessoa, antes de qualquer psicologia ou metafísica, é pois evidenciada primeiro que tudo como uma questão estílistica, por assim dizer, cinematograficamente, ou mais generalizadamente, como uma questão de percepção e colocação contingente nas arenas do quotidiano, sempre terreno de lavrar equívocos. Como na cena em cima, em que apesar da aparente transparência visual/simbólica do carácter dos presentes, a "natureza" dos personagens é posta em causa pela situação em que o acaso os junta.
Qualquer coisa como: quem nós somos é onde e como estamos.
Adoro filosofias de como quem não quer a coisa.

Tourneur Isn't (Just) Cat People

«- Yesterday my biggest problem was how I was gonna break a date with a fellow I know, for tonight.
Of course I could cal him up and tell him I can't make it: I'm on my way to Wyoming in a pair of field boots... with a man that's wanted for murder.

- If I left you here they'd find you in no time.

- Even if they didn't, I'd still wanna go with you... you're the most wanted man I know. »

domingo, 11 de junho de 2006

(Ceci n'est pas une boîte de commentaires 2)
A bola sob as oliveiras

Lembrei-me de um comentário (sim, comentário... é patético, não contem os caracteres) que deixei numa caixa benquista, num tempo em que não me debatia com o corpo à porta de casa aberta. Vem mesmo a calhar (por mais que uma razão, que sensibilizam o dedo para o copy paste), logo, refresque-se-lhe as faces e vire postada.
Aí vai:

Por vezes penso que gostaria de gostar de ver futebol. Mas lembro-me que não deveria. Repressão civilizacional a la Freud? Hardly. Até porque se tornou fashionable (para lá de, curioso, cada vez mais culturalmente fascizóide e obtuso dever nacional). Apenas reconhecimento de que os construtos sociais que conformam os prazeres não são inevitabilidades, e a matéria subjectiva em que se enformam não é inocente e inconsequente. E o desporto institucionalizado e competitivo é (grande novidade) largamente de uma perversidade singular, tão mais declarada quanto discursos de boas intenções cada vez mais enxameiam seus processos de legitimação. Cumpre funções sociais? Talvez. Mas teorias do conflito e válvulas de escape também são uma bela Maria vai com elas, e lá por isso os adeptos bem podiam ir para o mesmo efeito partir pedra para a Arrábida, que diminuía a poluição, e gostavam mais do país, sem o colorir de chauvinismo dependurado à janela (tamanha devoção: recordo uma vizinha com rancor a arrancar o dito cujo ainda a anunciada final malograda do Euro 2004 não tinha terminado).
E claro, construto agora, construto sempre. Mas, fincando pé nos arquétipos e lembrando aquele onde viveria Ulisses, podemos ajuízar melhor do pé na bola com o valor de uma peladinha no caminho para Ítaca, ao ser desafiado pelos Feaces (um arremedo jeitoso de Liga dos Campeões, se dotados da visão insuspeita de Tirésias, para não nivelarmos por baixo):

Euríalo (qual Pauleta qual carapuça): «Não, estrangeiro, a mim não dá impressão de seres um homem conhecedor de contendas atléticas - das que praticam homens.»(...)
Ulisses: «Encolerizaste o coração no meu peito, falando de modo desabridoe sem medires as palavras. Não sou inexperto em contendas atléticas, como tu afirmas; mas entre os melhores me contava, quando podia confiar na minha juventude e nos meus braços. Mas agora domina-me a dor e a desgraça. Sofri muito nas guerras dos homens como nas ondas do mar. Mas mesmo assim, apesar disso, participarei nos vossos jogos. Pois provocaste-me com o teu discurso e feriste-me o coração.»

Boa parte dos viés do reconhecimento (e desqualificação) social pelo desporto estão lá, como cá. E o humano herói não resiste a provar-se (e a dar uma coça nos adversários, ora pois, a esmurrada fotocópia Schwarzengeriana não veio do nada). Mas o seu valor relativo, no dever-ser, a que alguma sensatez que da sombras das oliveiras descai se soube alcandorar (e desgraçadamente o valor absoluto hoje legitima) em tais terras solarengas também lá está. Convenhamos que seria irrazoável irmos todos saquear Tróia (ah pois, não era só simpáticos velhinhos pederastas de túnica a apanhar fresco com um enleante silogismo nos lábios) para aprender a lição (consta que se tornou um pouco inviável). Mas podemos ler o tio Homero. Afinal, até a literatura pode ter funções insuspeitas.

Os nomes do elitismo (cerrado temático, ainda na bola...)

Já não o é, de longe, com virtualmente todas as elites sociais a apregoarem a sua devoção futebolística, de selecção ou clube, mas mesmo quando o futebol era desdenhado pelas elites sociais, isso não equivale logicamente a uma associação liminar da repulsa pelo desporto organizado a uma manifestação de elitismo (real ou representado).
Considerando que não são só as elites a poder produzir enunciados teoricamente elitistas, a minha propalada desconsideração por desportos organizados, tais como futebol, não é de forma elitista nos seus intentos. O problema do apodo elitista é que assume um realismo presente no qual a demarcação de uma devoção de massas só cumpre um efeito presente possível, que é a própria distinção social. Mas há que ver nessa demarcação a possibilidade de um desejo de transformação social, que pode tornar um enunciado realisticamente elitista num enunciado utopicamente populista.
Pela minha, parte, não tenho dúvida quanto aos meus intentos: não suporto futebol, anuncio-o, e muito gostaria que as massas concordassem comigo (as buzinas que insuportavelmente acompanham o meu teclar e desejaria silenciadas constituindo prova cabal).

(since we're into sports...) Pavlovianamente anti-sociobiologia (get it? ah ah...)

De repente fiquei perplexo, face ao facto despido: que estranha essencialização naturalizante sustentará a divisão sexual também nas competições de xadrez? Nem no emprego da racionalidade num intricado cerrado de parâmetros estratégicos e analíticos (ridícula "descrição", mas enfim) um homem e uma mulher se podem medir como iguais? Ou (smart move) (get it? ahhh) será precisamente para prevenir a possibilidade de alguém presumir algo a partir dos resultados? É delicioso e tenebroso paradoxo, o facto social de a biologia ser um alçapão sem fundo (tanto quanto, até este resulta um enunciado naturalizante - it wins again).

Just tryin' to feel a bit special... (indicador provocante entalado nos lábios, while you're at it)

...presumindo ser o único português a português a postar durante malfadado jogo da selecção de Portugal no Mundial de Futebol (lamento a exaustividade, mas os estranhos à demência não têm nada que mimar a familiaridade com as suas nomenclaturas)...
E já agora, que presumo estar para aqui sozinho postando (contribuindo para tornar a ocasião minimamente produtiva ontologicamente), convenhamos que não havendo esferas isolantes de indiferença, os rapazinhos até ganhavam uma grama da minha estima se fizessem o obséquio de perder com Angola (hã, não estou completamente a leste, salvo seja). Se o argumento é o da recompensa simbólica associada à ideia de nacionalidade, convenhamos que era o mínimo que se podia fazer, e certamente seria mais dignificante que qualquer outro resultado daquela estiolada ou perversa (a primeira hipótese é melhor) confluência de vontades.

Hmmm, estou a ouvir o diabólico sound-system com que a câmara municipal me atormenta os dias manhãs e noites há tempos... porque raio é que é sempre brasileiro o animador das hostes? Já tornaram requisito para a autorização de residência a abnegação de outras fidelidades nacionais de torcida? Diacho, torcer por Portugal incluso no pacote cultural da política migratória (the subtle one), e a Amnistia Internacional calada? Afinal a política de afinidade cultural também pode ter inscrita daninha letra miúda...

Só este exasperante cenário para me dar para postar. Acho que vou aproveitar a rara conjuntura para tentar ver o Mallick na insuportável grande superfície do burgo. Talvez não haja nenhuma cavalgadura para fazer o favor de ostensivamente mascar pipocas nos meus tímpanos, e se a sala não barrar os fragores da multidão, talvez desta emane um aliviante fade-out de desilusão.

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Unhalfbricking, ou Forcefully keeping in mind there is a world beside there is a kingdom, (overquoting)

Quando se deposita o último bloco na clausura incorporada e o Waters entoa em implacável sumiço "Goodbye cruel world", the wall ainda vai a meio.

(non-Rock-in-Raio-qu'o-parta-related)

sexta-feira, 2 de junho de 2006

To move within a frame

A(s) prova(s) do(s) silêncio(s)

Buscava o mais possível a sobreposição transparente dos movimentos vitais a tabelar nas esquinas gramaticais no papel. Mas cedo se lia, na consciência mais presumivelmente próxima dos sentidos que procurara decalcar na linguagem, na incompletude do seu narrar aposta ao resíduo visceral e mnemótico. Rebuscou técnicas e páginas, penas e estratégias. Da seca recolecção do facto epidérmico, à depuração sensitiva ou cognitiva, declinou a saciedade de verdade à memória de quem quer remanescer presente. E ao atardar e retornar às presenças esconsas que grafava dos passados que transmutados vogavam tormentosos à fixidez de um registo, ressentia que era nos silêncios alvos entre os signos e as regras de os significar, que os confessionalismos possíveis sempre se acolitavam, ao abrigo de quem os presumira desnudar, dos dois lados da fronteira. Equívoco e líquido esquivo, reencontrou inverso conforto, assim permanecendo ao abrigo da invía visceral verdade da pequena liberdade de da sua língua não ser cativo.