terça-feira, 29 de novembro de 2005

Well, have you, punk?...





...have you got what it takes? 

















 «No afã de classificar as nossas audições, que é outra forma perversa de nos classificar a nós (o problema é que nós também tendemos a enfiar o barrete), surgiu recentemente uma categoria que reza qualquer coisa como new weird america, que seria um repegar meio freak de tradições sonoras folk americanas mais ou menos no mesmo terreno que já havia repegado a americana também há muito poucos anos, mas um pouco menos reconhecivelmente (que é como quem diz, uns fumam charros, outros emulam portadores inspirados de cirroses). 
Ora, foramos nós a lembrar-nos e a ter poder de difusão da coisa, e aqueles ficariam antes qualquer coisa como a new orthodox freak america, porque a new weird america ficava para senhores a fazerem coisas como um tal David Thomas. Este senhor, pouco new na idade, cujas qualidades corporais me isentarei de identificar para não o estigmatizar (e porque ele se está nas tintas para elas, logo, nós também), é já de si bastantemente reconhecível como a voz meio demencial entre o delirantemente lúcido e o babado infantilizado que reconhece diáfanas verdades que escapam aos sabidos do mundo (e como tal são desprovidas de valor pragmático) que encabeçava o torpedo new wave (donde o new weird se justificaria) intitulado Pere Ubu. 
Entre os opus a solo que foi lançando de forma assaz invisível desponta, em finais de 90, este “Bay City”, que se não é weird bem ofendem o homem porque bem se esforçou. Se a straight rock descarnado “Clouds of you” que inaugura o álbum ainda engana, a faixa a seguir, “White Room”, espécie de arremedo tosco de balada trôpega de guitarra quebrada na ressaca de meia-noite que não deixamos instalar-se porque ainda faltam 6 horas de ebriedade para a madrugada, embalada a clarinete demasiado alto na mistura com melodia decantada aos soluços, instala a dúvida. A partir daí não há dúvida: quando o senhor diz que “nobody lives on the moon”, no fundo confessa que é lá que habita, e que a lua são paisagens incógnitas onde nenhum americano não lá nado pode respirar ou conhecer senão por estranhos intermediários. Eis o estranho intermediário. Por intermédio de crua, básica, mas bizarra instrumentação, para weird efeito, disponibilizada pelos “estrangeiros” que Thomas desencantou encalhados num fiorde como bando de mariachis, canções que não existem surgem demasiado reais na sua fantasmagórica proposição apenas para anunciar a estranheza distante e irredutível. Ficamos a saber que isto, o que quer que seja, existe, mas não é passível de ser conhecido. Ritmos obsessivos, ritmos requebrados, melodias fragmentadas, não-épicos em ocaso sonoro, não-ritmos, balbuciares e copos quebrados, portas a abrirem apenas para bater, e os passos de ninguém que se anunciam para se evolarem do chão. 
Se “Charlotte” nos dá um seio (só um...) para afugentar as incertezas desta música (ou uma varejeira do deserto, não é certo...), logo nos jogam num quarto sebento de motel abandonado sem fímbria de luz para desviar a atenção das perguntas obsessivas que não nos queríamos colocar. E ecoam profecias, senhores, profecias, conjuradas para temermos nova incursão nas terras de outrém-ninguém: se não se inquietam ao som de uma voz de texano louco, desdentado e visionário, que anuncia às criancinhas, nas cadências nonsense métricas e mutantes da brilhante “15 seconds”, que “You'd better close your eyes because in this world/the good things is gonna sink while the bad things rise./Y'all better close yr eyes.”, algo de errado se passa com o vosso sistema nervoso. E após o cataclismo, no resfolegar dos despojos inúteis que chiam, traduz o olhar do homem serenamente louco (porque nada mais se pode ser) na perdição no vazio escaldado: “i fear the worst that worst could be... that everything would be just the way it seems... to be”. 
Este álbum é matéria sonora feita terra para dizer que isto existe mas não se alcança, não se entende, é a geografia dos presentes, dos que “got what it takes”, e não há viagem para lá: só os rumores remotos indutores de miragens por um vento malsão.»

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