quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Touché

É um cliché velho, mas sempre a mandar trancadas na frágil carroçaria da auto-estima, a incapacidade de dar a resposta certa, o comentário certo, na hora certa, a certa situação ou fala que nos atinge de surpresa o distraído orgulho humano. Presença de espírito, língua afiada, e costas previamente almofadas contra a acidez do mundo (o que pode ser perigoso...). Sendo que, princípio de precaução, o mais das vezes mais vale ruminar o resto do dia o que é que se poderia/deveria ter dito, do que assumir o ímpeto sanguíneo revanchista como a atitude certa por defeito.
Digo isto, primeiro porque o ns (a culpa tecnicamente é dele), mo relembrou, ao empregar, in something completely different, uma das expressões mais brilhantes e históricas dessa presença de espírito: o grito às armas de Dylan, contra os próprios (equivocados) fãs, ao ver-se apupado e injuriado como "Judas" (de si próprio, curiosa condição) na segunda parte do concerto do Manchester Free Trade Hall (chamemos as coisas pelos nomes...), em 1966, ao ter trocado a imagem do cantautor solitário com a pastoril guitarra para uma full-fleged-electric-band: «play fucking loud!»
Como convém, a uma certa rolling stone.
Ou como alguém disse: não lhes dês o que eles querem, dá-lhes o que eles precisam (em certos momentos, faz sentido).
E, em segundo lugar, porque isso lembrou-me outra tal resposta, menos “histórica”, mais humanamente terrífica, no «Le Trou» de Becker (assinalada há uns bons aninhos pelo inefável Bénard). Após toda a durée da história ser entretecida com os esforços de um grupo de prisioneiros para se evadirem da sua cela, e se irem enredando as formas de cumplicidade (to say the least...) nesse esforço múto, confirmamos no final a semente trágica da traição ter estado plantada, insidiosa, perversa, naquele microcosmos simbiótico de entreajuda humana (ironicamente, ou nem tanto, ora pois, numa prisão), quando se verifica que um deles (o recém-chegado), Gaspard, havia denunciado o plano, que é frustrado na noite da fuga. Controlados pelos guardas, despidos, encostados à parede, à passagem do incólume Gaspard para receber as benesses ignóbeis do seu acto, um dos prisioneiros profere a sentença mais cirúrgica, porque não há mais revolta, outra revolta, possível, apenas a fatal e pausada sentença, que reverta no possível da dignidade humana a inversão da recompensa terrena:
«Pauvre Gaspard».
Rien d’autre à dire.

Sem comentários: