segunda-feira, 16 de abril de 2007

A caducidade dos espaços

Ressenti de há uns tempos para cá uma plena saturação relativamente à divisão da casa onde até hoje empreguei a centralidade dos meus esforços de trabalho (esforços, porque chamar ao que deles sai trabalho é ofensa capaz de unir os proletários do mundo inteiro – incluindo os proletários intelectuais). Muitas horas de clausura, lascas e fragmentos de existir acumulados no tapete (pronto, é caspa), demasiados raiares inapelados, ecos vizinhos incautos ou displicentemente intrusivos, o espaço sufocado do que não mais comporta.
Mudei-me para a sala, nas noites cativo, aparelhagem em volume obscenamente baixo cuidando de outros embalos acolhendo a minha mínima companhia.
Oscilei para a cozinha, colunas de 1 euro e meio a tentar conferir um pouco mais de dignidade à projecção de som de vil portátil de 1976, entre muesli e as bananas que não se comem e se persiste em comprar.
O aparato da mudança, a dispersão dos materiais, as solicitações acrescidas, não são, não obstante, óbice. Sei que não me perturba de momento a caducidade dos espaços. A eles devo virtualmente o único motor do meu movimento, o simulacro constitutivo de persistir. No entanto, suspeito ainda guardar nostalgia antecipada de deparar algures, no novo ou no conhecido, com o mito, feito arquitectura, de um ponto de retorno, o nosso porto de abrigo.

2 comentários:

. disse...

Caríssimo amigo,
É inacreditável como se pode escrever tão bem sobre o nada ou quase nada.
Um abraço

Julinho disse...

Pá, ainda bem que começaste por uma esclarecedora declaração de amizade, senão ainda se pensaria que só seriam comprensíveis tais palvras por parte de alguém que estivesse off the medication...
Abraço...