segunda-feira, 30 de julho de 2007

Agonizing miscasting

A érretêpê dois, casa de excelência do serviço público, faz o grande obséquio de entrevistar alguém no Jornal 2 para dar uma perspectiva mais alargada de Bergman. Alguém director de uma tal revista "Première". Alguém apresentado como «especialista em cinema». Que começa a titubear as etiquetas coladas 'popularmente', quase iconicamente, à filmografia de Bergman, pelo menos, em Portugal, desde a década de 70, quando começámos a brincar à vida intelectual democrática (o Ivan Nunes gives out the ideia de algum desse, de facto, peculiar impacto). Que persiste no estrangulamento generalista que incentiva a senhora jornalista a insistir na questão inaugural "mas em que é que se baseia essa singularidade de Bergman?". Que regurgita os "casais", as "emoções", o "intimismo" (ah, o intimismo). Que bate na tecla da influência sobre Woody Allen duas ou três vezes, porventura to 'connect' with the 'young people' out there. Que até fez o trabalho de casa para afiançar ufano, a sustentar a 'tese' dos "casais" como nicho temático do cineasta, de quantos casamentos e filhos foi o senhor co-produtor. Que, já chegando à menção inevitável de Saraband, à hélas inoportuna menção da jornalista de Liv Ullman como protagonista, lhe repete o nome "sim, com Liv Ullman", e se sente na obrigação de lhe acrescentar o outro nome que se impõe, "actor fetiche do realizador", assegura, e perde dois segundos a entaramelar o nome que não sai (não serei eu a ditar se legitimamente ou não), e em vez de pelo menos se quedar pelo assumido esquecimento, opta por lançar um qualquer coisa (que não Erland) "Jacobsen", porventura "Jacobson" (sejamos justos). E se o cavalheiro se sentiu à vontade para, ou obrigado a, aceitar a encomenda do bitate infra-wikipédico, até pouco me interessa. Eu peço desculpa, mas o que gostaria, oh pá mas tanto, de saber é se, seja lá quem for que chama as pessoas à mesa da conversa no Jornal 2, não sabia o que lhe saía na rifa (e não sabia quem chamar para saber o que lhe saía na rifa - e esta é a hipótese abonatória); ou se era precisamente um apontamento jornalístico sem chatices, sensibilidade e reflexividade, que lhe interessava registar como testemunho neste dia; ou se não havia absolutamente mais ninguém disponível, pelo menos das duas mãos-cheias de que até eu me lembro de repente, para falar, caramba, cinco minutos sobre Bergman como se, eh pá, coloquemos a hipótese, fosse algo mais, ou suscitasse algo diferente, do que uma entrada num dicionário portátil de cinema. Críticos com bagagem. Gente do cinema. Um velhote à porta da Cinemateca. Just anyone.
E fico à espera de verificar se amanhã (hoje nada vi) passam algo a fertilizar a memória, como costumava ser prática do canal nestas ocasiões (em geral, no próprio dia...). Um filme. Um documentário. Just anything.
Mas é óbvio que estou a ser afogueadamente injusto. A RTP 2, na sua complexa intervenção cultural, apenas nos queria dar subtilmente a perceber que se insistimos na negação memorialística da mortalidade, é para que nunca tombemos na tentação confortável de julgar e facilitar que um vívido legado de faca no ventre possa vir ser reduzido a redacção de escriturário.