Warhol Update (on the prowl, celebrity-reversal mode)
For the benefit (não é homenagem ao exasperante Sgt. Pepper's) da minha autoridade cínica, ficou, na instância de um concerto mui caseiro deste simpático e imponderável casal de mórmons, claramente comprovada a minha reticência existencial à idolatria, por mais que justificada (justificada mas, e porque, sempre improducente: um obcecado na minha cercania carregando TODOS os livretes dos CD's, EP's e folhas de papel higiénicos resgatáveis dos seus ídolos, para o autógrafo, não paráva de balbuciar colado às cavidades nasais da Mimi - we're that close now - quanto gostava deles mas "o primeiro disco é que era" - 13 years down the toilet, portanto (não que, incidentally, não seja defensável a tese, em registo diletante)).
Dado o voluntarismo do Alan - buddy - em sentar-se à beira do palco para a cerimónia informal de devoção, lá me aprocheguei com um livretezinho (pronto, dois, vá, e o bilhete, já agora, indultado no abuso pela proximidade de alarves profissionais), e como criatura diligente entreguei-lho com o livrinho do Arseniĭ Tarkovskiĭ que tinha comprado no dia anterior no barraco de promoções da Assírio, para lhe amparar a assinatura (portanto se comprova que eram mesmo só dois livretes, quantidade sem massa crítica (porque não enfardados com letras nem statements artísticos) para amparar esferográfica, OK?). Findo o ofício, o bom do Alan fica a avaliar o objecto livresco que bizantinamente lhe havia deslocado para as mãos, folheia, estranha, e finalmente desagua na interpretação «is this for me?». A isto (momento da verdade XVI), com um despudor aflito de egotista estratégico que hoje me cobre de vergonhosa vergonha, digo com a frivolidade gélida de quem finge o como quem não quer a coisa, que "oh... that was just for holding the...", ao que ele me entrega o livrinho.
Escrevo-vos, portanto, qual Frankenstein da minha própria bestialidade, atormentado com a plenitude operacional do meu celebrity-reversal, a ponderar a eventualidade de ter deixado cativa do meu gesto a celebridade original deste jogo social, denegando-lhe a reciprocidade de uma recordação. Em compensação, e com a magnanimidade do meu new-found-status de celebridade revertida episódica, deixei-o com uma dedicatória oral inspiradíssima de simples e eficaz (que não desvelarei para que a não prostituís por aí, empresa de que me encarregarei pessoal e exclusivamente com a diligência martirológica de acartar o fardo do homem comum), com o grau certo de elusiveness, que o fez estacar, agradecer-me com olhar intrigado, e já estava eu a virar costas ainda acrescenta «have a good night», com aquela réstia (que se sabe frustrada) de retenção do momento, tipo, that guy could have something important to say, estão a ver o género?(não tinha nada...). Suspeito que pode ter sido o ícone russo (para mórmon, ortodoxo e meio) na capa que lhe pode ter promovido a hermenêutica da ambiguidade do gesto.
Mas é preciso matizar o meu materialismo individualista: já andava em busca oficiosa do livrinho há bons tempos, em parte pela intervenção biográfica fulcral da obra do filho na minha vida, descobri-o nas promoções amontoadas de 3 euros (preço justo), e antes de lhe pegar sequiosamente ouvi a menina do barraco a responder que sim a um cliente que lhe perguntou se era o último exemplar e não o levou (destino chapa-três, portanto). E o que se aprende amargamente nesta configuração cósmica é que, em certo sentido, uma pechincha de 3 euros pode ser uma preciosidade muito mais valiosa que _fill in the blank que eu ainda estou demasiado traumatizado com a minha vileza para racionalizar_.
Disclaimer: Alan, Mimi, acalmai-vos, apesar de não estardes a perceber patavina (just trust my soothing voice and excess of parentheses - dangerous maniacs are straightforward maniacs), a mirazita na foto é da minha inteira responsabilidade, não pretendendo contudo mais que formalizar graficamente um dispositivo metafórico, proveniente de arguição precendente na matéria, da predação simbólica de processos de proximidade na zona cinegética da notoriedade pública. A vossa integridade física está inteiramente segura comigo, por muito pulha que seja: não é por acaso que há um mandamento exclusivamente dedicado ao homicídio: os pecadores não andam a saltar em trejeito esportivo por todas as coutadas de infracção, valle? Pelo menos eu não. Mal tenho genica para um. Ao contrário do que rezam as loas da virtude, la paresse fait le bon'homme.