quarta-feira, 10 de maio de 2006

Destroço Supra-Métrico (quem não lhe apeteça, e muito bem, leitmotifs, mas só posts auto-indulgentes, pode ler a partir dos bolds)

Com certeza que you were not (talking to me) (although you could be): self-deprecation não implica self-delusion. Tal como em certo sentido, e entenda-se não pretendo salvar a face (já me explico), I wasn't (talking to you) (although I was, e isso não seja dispiciendo - para já, gosto de crer que good spirits se rencontrent indeed). Imbróglio gratuito? Nem tanto. A ver pois se me explico, porque a ocasião me é apelativa para fazê-lo (às vezes é produtivo): espero que haja a point no final, mas não garanto. Só garanto que I come in peace (porque o absolutismo auto-depreciativo pode assaz fazer confundir discursivamente as motivações). E que esta arengada vir na sequência de um presumível despique auto-depreciativo seria uma deliciosa ironia, sistemicamente incoerente, mas ontologicamente consistente.
Vejamos:

Cá no meu entendimento, a auto-depreciação enquanto modalidade de existência aponta para uma falência ontológica que é revertida na possibilidade de ancorar nela uma self-awareness que erga um último reduto de valência pessoal: nomeadamente a gestão própria dos termos da sua depreciação, resgatados antecipadamente do acusador indicador alheio. Ora, nessa linha fina de equilíbrio existencial, a auto-depreciação torna-se um absoluto enunciativo, que pelas suas características, para ser socialmente plausível, exige uma densidade biográfica que as palavras necessariamente traem se não se verifica. Daí que se plasme numa existência discursiva que deve ter na sua verosimilhança narrativa a condição da sua operacionalidade.
Há essencialmente duas vertentes equívocas de auto-depreciação que esboroam a frágil teia de suspensão onde tal vivente se pode equilibrar com valor ontológico: a auto-depreciação como exercício de estilo; e a queda abjeccionista. Ambas denegam, cada uma de seu lado de certas medidas de adequação existencial, a sua pertença a essa modalidade de gestão dessa condição de vivente (que se confundem, mutuamente constitutivas). A primeira, tende a denunciar uma certa superficialidade discursiva, ou porque se atém a entendimentos circunstanciais do vivente (não constituindo matéria ontológica), ou porque se emprega como forma de extrair respostas sociais determinadas (como a compaixão). Género, pois, de exercício discursivo que tende a esborratar a linha divisória e a validade social da auto-depreciação, depreciando-a (coisa que a vera dita cuja não pode aceitar). A queda abjeccionista, obviamente que não tem já sequer relação com a auto-depreciação, porque esta requer um equilíbrio tenso com os termos de uma presumível normalidade social: é nos interstícios de inadequação ou da insuficiência que os possíveis dos rumos socialmente prescritos compõem, mas não reconhecem (daí também a não-validação social generalizada da auto-depreciação ontológica), que se quedam os posicionamentos ontológicos da vera auto-depreciação. Ora, precisamente porque esta vê a sua condição ameaçada pelos mau emprego de certos simbolismos retóricos facilmente convocados pelos instrumentalistas do discurso, a vigilância da auto-depreciação (hence the presumable corporation) toma função suma para os corpos que lhe dão efectivamente densidade e aderência na carne (e não como exposição ou discurso fugazmente ressentido). É no reclamar desse exclusivo ontológico feito discurso que se instala a absoluta soberba que resta à auto-depreciação: regular os seus próprios termos e sobrepô-los aos empregues em discursos outros. Em certo sentido, cada ontologia auto-depreciativa é a única como tal existente.
Ora, nesse sentido, de facto, I wasn't talking to you, já que falava essencialmente de mim no reinstatement do meu absolutismo auto-depreciativo, although I was talking to you, e é isso que faz toda a diferença, porque porventura o último reduto de redenção da auto-depreciação ontológica (que, apesar do seu absolutismo, tem, coerentemente, que ter uma falha nas suas próprias fundações, e reconhecê-lo), é a soterrada concepção de que seja possibilidade falar aos outros falando absolutamente de nós (talvez até que essa seja a mais bruta, crua, nua, bela e válida forma de falar aos outros). E por isso, veladamente, seguem falando. As verdadeiras paredes com ouvidos. If you know what I mean.

P.S. outro - A sala não estava esgotada, e apesar da risota a despropósito, dos dois comentaristas atrás de mim, e da velhota a meu lado a comer chocolate e a sonoramente entoar com a Marlene a canção alemã que enquanto baronesa mimetiza ao piano (a Barata Salgueiro está cada vez uma melhor colecção de cromos - in the good and annoying sense), you were right (mesmo que seja indiferente que eu o diga). Só grafaria o último toque de forma diversa: Marlene cantaria une chanson de pute, triste (essayant de ne pas le paraître)(?!). A agonística da alma desvelada no (entre o) canto da alarve canção de puta, puta que se revive triste (a distinção, porque não me permito, e em particular recorda-me a deliciosa Melina Mercouri de Never on Sundays não me deixar, escrever que todas as putas são tristes), é também um estereótipo, mas os ditos têm que ser enunciados para se operar a sua ruína (literal, pois) e presumir a possibilidade e a verdade de uma vida para lá do seu fechamento. Entre a fantasia e o fatalismo, o híbrido é eloquente: (des)encanto verista talvez.

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