Marxismo carnal
Raríssimas vezes (duas ou três) o Chico Buarque se prestou a declinar enunciados emancipatórios a partir de cartilha política. Tanto que, quando o fez, por conta de circunstâncias excepcionais de requisição exterior, tal se torna imediatamente reconhecível no contraste com a sua obra. Basta ver como parte do locus de enunciação imagética da canção que se segue já havia constituído o belo e discreto corpus (avesso a derivação dogmática) da extraordinária «Samba e Amor», de 1969, a contrapôr, sem nada impôr, a incompatibilidade dos ritmos do amor com a rigidez horária constitutiva da civilização industrial (construíndo um mosaico de reconhecimento humano, sem forçar ou fechar conclusão), como: «De madrugada a gente ainda se ama / E a fábrica começa a buzinar / O trânsito contorna a nossa cama, reclama / Do nosso eterno espreguiçar»
Contudo, mesmo quando efeméride de serviço à contestação política, no contexto propiciatório da ditadura brasileira, o fez ceder esforço de enunciação a raisonnement ideológico dado de antemão, a coisa saiu-lhe assim (nesse lugar de tensão enunciativa e simbólica desvelando o seu peculiar enjeu criativo, na obra a que se refere), meio datada em certos referentes dados (como é quase de lei), mas, depois, estranhamente encarnada na vida esconsa e na vida imaginada dos corpos, que se pode espraiar na suspensão lânguida e quase ominosa de que é imbuída a efeméride (quem quiser fazer leituras tropicais também esteja à vontade).
Que é como quem podia dizer: bom feriado.
Primeiro de Maio
(Milton Nascimento/Chico Buarque - 1977)
Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas
Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é o seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu
Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhas do seu ventre
O homem de amanhã
(sou o único a quem a última estrofe lembra Frida Khalo? Humm)
(a música é belíssima. Infelizmente eu sou nabíssimo, e não sei postá-la. Some other time... as always)
(isto que está entre parêntesis já não faz parte da letra, atenção)
(se a última estrofe vos fizer lembrar o «Dead Ringers», é porque são uns perversos do caraças. Sim... eu sei...)
4 comentários:
Julinho
Você sabia que hoje, graças ao Governador de Minas Gerais Aécio Neves e ao novo aumento do salário mínimo “dado” por Lula, um professor concursado do ensino médio do estado de Minas Gerais passa a ganhar menos de dois salários mínimos por um cargo completo?
Um abraço
Marco Aurélio
Lindo post, Julinho.
Caro Marco Aurélio, não, não sabia.
Como, no entanto, não sei exactamente porque é que mo diz, quando o diz, e com que ponto de vista (sem termos comparativos a sustentar a compreensão), o meu comentário terá que ficar por aí.
Muitos mercis, pk?
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