segunda-feira, 1 de maio de 2006

Marxismo carnal

Raríssimas vezes (duas ou três) o Chico Buarque se prestou a declinar enunciados emancipatórios a partir de cartilha política. Tanto que, quando o fez, por conta de circunstâncias excepcionais de requisição exterior, tal se torna imediatamente reconhecível no contraste com a sua obra. Basta ver como parte do locus de enunciação imagética da canção que se segue já havia constituído o belo e discreto corpus (avesso a derivação dogmática) da extraordinária «Samba e Amor», de 1969, a contrapôr, sem nada impôr, a incompatibilidade dos ritmos do amor com a rigidez horária constitutiva da civilização industrial (construíndo um mosaico de reconhecimento humano, sem forçar ou fechar conclusão), como: «De madrugada a gente ainda se ama / E a fábrica começa a buzinar / O trânsito contorna a nossa cama, reclama / Do nosso eterno espreguiçar»
Contudo, mesmo quando efeméride de serviço à contestação política, no contexto propiciatório da ditadura brasileira, o fez ceder esforço de enunciação a raisonnement ideológico dado de antemão, a coisa saiu-lhe assim (nesse lugar de tensão enunciativa e simbólica desvelando o seu peculiar enjeu criativo, na obra a que se refere), meio datada em certos referentes dados (como é quase de lei), mas, depois, estranhamente encarnada na vida esconsa e na vida imaginada dos corpos, que se pode espraiar na suspensão lânguida e quase ominosa de que é imbuída a efeméride (quem quiser fazer leituras tropicais também esteja à vontade).
Que é como quem podia dizer: bom feriado.



Primeiro de Maio
(Milton Nascimento/Chico Buarque - 1977)

Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas

Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é o seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu

Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhas do seu ventre
O homem de amanhã


(sou o único a quem a última estrofe lembra Frida Khalo? Humm)

(a música é belíssima. Infelizmente eu sou nabíssimo, e não sei postá-la. Some other time... as always)

(isto que está entre parêntesis já não faz parte da letra, atenção)

(se a última estrofe vos fizer lembrar o «Dead Ringers», é porque são uns perversos do caraças. Sim... eu sei...)

4 comentários:

Marco Aurélio disse...

Julinho

Você sabia que hoje, graças ao Governador de Minas Gerais Aécio Neves e ao novo aumento do salário mínimo “dado” por Lula, um professor concursado do ensino médio do estado de Minas Gerais passa a ganhar menos de dois salários mínimos por um cargo completo?

Um abraço

Marco Aurélio

Anónimo disse...

Lindo post, Julinho.

Anónimo disse...

Caro Marco Aurélio, não, não sabia.
Como, no entanto, não sei exactamente porque é que mo diz, quando o diz, e com que ponto de vista (sem termos comparativos a sustentar a compreensão), o meu comentário terá que ficar por aí.

Anónimo disse...

Muitos mercis, pk?