sábado, 5 de abril de 2008

Orçamento rectificativo

Para meu bem, e para acabar com todo o bem, parece que este é mesmo o ano de quase todos os concertos. Enfim, de quase todos possíveis. Enfim, de uma porrada deles. Gil (finalmente a solo, sem as bobagens reggae sub-par, para ver se desfrutamos finalmente "apenas" a pura impureza do afro-samba), Galás (shrieking beast), Monk (shrieking high-priestess), National (sem entrar em histerismo, que não combina com a minha pose seráfica, este é de facto o tempo para os ouvir - lembrete de que nem todo o apelo da contemporaneidade é fatela), Cave (o tempo não volta para trás, e para não ser fundamentalista reducionista e não dizer 86, nem, vá lá, 97, digamos que desde 2001 que a cada ano penamos mais pelo facto, pelo que não esperemos mais por muito mais bonança), Einstürzende (o tempo não volta para trás, já não se arrasam palcos para fazer uma sinfonia com vigas, yada yada), Cohen (viva a necrofilia?), Dylan (viva a necrofilia?), ainda mais Young; digam-me, o que é que faço à minha vida?
Enquanto não se decidem, eu vou a Gouveia para desafiar mais uma vez a besta nostálgica com a presença do santo graal dos descobrimentos sónicos de 70's, os ressuscitados (e pela onda de milagres dessa natureza, suspeito que Cristo só podia ter sido um prog-rocker (brrr)) Van der Graaf. Elido, desta feita não só por conveniência de concisão, o Generator do nome, porque, crime de lesa majestade, a equipa suprema do tio Hammill se reuniu sem a valia imprescindível dos sopros do David Jackson (era o segundo a contar da esquerda: façam-lhe uma festinha), coisa que, tivera eu moral, seria motivo para me isentar de ratificar o estupro à memória sacra. Contudo, a cóclea é fraca, e se cada revivalismo é uma despedida, o atraiçoar da memória do clássico quarteto pela ausência do Jackson servirá sempre como desculpa para diferenciar o que se assistirá de uma mímica frouxa do que já foi a essência sonora do inapreensível, não pretendendo resgatá-la do passado seu guardião onde assim poderá permanecer como farol cósmico de apequenamento de quem não mais se soube fundir com a dispersão atómica e sideral dos corpos (parem-me quando começar a falar de duendes, por obséquio). Aliás, como há dois anos assombrosamente aprendi, mais que isso, estar no centro do furacão Hammill a esfrangalhar-se-nos, seja em que encarnação for, será sempre condição fenomenologicamente absolutizante da valia de estar vivo naqueles segundos interminavelmente ressonantes, pelo que, se sigo, será sem dúvida para ter o prazer de ter os meus punhetistas tropeções retóricos arrasados pelos timbres e vibrato mais existencialmente tectónicos que instrumentos sensíveis alguma vez registaram.


Para além disso, e afora o gosto pacífico do neo-classicismo de câmara dos Aranis e seus piazzollismos de empréstimo (e que melhor credor?), há também a grandeza injustiçada dos Thinking Plague para se fazer ouvir nas encostas da serra. Das raras criaturas a arrastar a ferros aquilo a que se chame música popular, e particularmente a melodia, para tempos modernistas (aquele pitch alienado a ressaltar pelas paredes de um hectágono escuro), e permanecerem violenta e epidermicamente engaging (dos raros do ramo que poderiam com a mesma facilidade ter dado (ou deram) um fabuloso new-wave act ou em indie-rockers (brrr) de culto) conseguem sob a batuta dos harpejos aracnídeos do Mike Johnson e de despejos matemáticos de entulho e ritos sonoros exumados em noites de lua cheia, fazer qualquer coisa, das mais díspares, em que toquem soar irredimivelmente entusiasmante, seja a rockar conselhos da Gourmet Magazine sobre como limpar lulas (literalmente: hey, fuck metaphors),


seja a esgalhar alegorias apocalípticas a partir de leitmotifs como a cruzada albigense, coisa com a qual não sei se seria de deixar mais gente safar-se.


Enfim, enquanto não arranjais maneira de eu resolver os dilemas que este dilúvio purificador e fatalista de oportunidades históricas me apresenta, podeis ficar a debicar longamente estes biscoitinhos que vos deixo, que cada efeméride é também sempre uma despedida.