We have no more beginnings: Hoarders
Se alguém desse uma espreitadela para as oficinas dele, onde se acumulavam grandes reservas de artigos de madeira e loiça nunca utilizados, parecer-lhe-ia ter ido parar ao mercado de utensílios de madeira de Moscovo aonde vão todos os dias as nossas expeditas sogras comprar coisas úteis, com as cozinheiras atrás, e onde se amontoa todo o género de artigos de pau não pintado - casca de árvore cosida, madeira talhada, laminada, encaixada, entrançada: pipas, barricas, selhas, baldes com tampas, gamelas com asas e sem asas, vasilhas redondas, cestos, caixas onde as mulheres guardam as gavelas de linho, cânhamo e sabe-se lá que mais; caixas de álamo fino e torcido; caixinhas de casca de bétula e muitas outras tralhas úteis para a Rússia de ricos e pobres. Por que precisaria Pliúchkin de uma quantidade tão assustadora destes artigos? Não poderia utilizá-los em toda uma vida mesmo em duas herdades como esta - mas ainda lhe parecia pouco. Sempre insatisfeito, batia diariamente todas as ruas da sua aldeia, espreitando para debaixo das pontes, das travessas, apanhando e levando tudo o que calhava - uma sola velha, um trapo de mulher, um prego de ferro, um caco de barro - para casa, onde armazenava tudo no montão que Tchítchikov viu num canto da sala. «Olha, o nosso caçador foi à caça!», diziam os mujiques. Depois de ele ter passado, era realmente escusado varrer a rua: se um oficial de passagem perdesse uma espora, a espora ia imediatamente parar ao referido depósito; se uma campónia distraída deixasse um balde ao pé do poço, Pliúchkin levava também o balde. Uma vez, quando um mujique o apanhou em flagrante, não discutiu e devolveu logo a coisa roubada, mas, se essa coisa fosse parar ao montão, nada a fazer: Pliúchkin jurava por Deus que a coisa lhe pertencia, que fora comprada a fulano tal na data tal, ou que a herdara do avô.
Gógol, Almas Mortas (trad. Nina Guerra e Filipe Guerra)