sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Bargain Freak 2


Os saldos da Fnac estão cada vez mais raquíticos. Este ano estava a ver que saía daquelas ao meu alcance (que eu vou alarvemente a todas) sem uma pechincha que se visse. Por entre artistas dos "Morangos com chantilly do teu escroto, meu amor", e gravações rançosas de Chopin (que, não obstante, estivessem a menos um euro, e não me dessem o Pollini e a Maria João Pires para a vida, eram capazes de marchar), quase só me redimiu as horas de esgravatanço com a unha-de-fome nos caixotes, a aparição qual Fogo de Sant'elmo dos Blue Murder, versão completista e acolchoada dos talentos da sagrada família (como dizia o Fernando Magalhães) Waterson:Carthy da folk da velha Albion. Nunca falha, ainda menos a 4,5 euros (gniah ah ah).
Já equivalente a mid-price (portanto não contando tecnicamente como pechincha), ainda encontrei e rapinei (em modo "faz-se o jeito", que já deve perfazer 3/5 do meu esquizóide espólio) um disquinho (quanto mais não fosse pelos berlicoques do digipack, a confirmar-me um frívolo fetichista de merda) dos com crise perene de identidade A Silver Mt. Zion bla bla bla ou similar, derivado dos GYBE! para uma espécie de pós-rock ruralista. A uma audição parece que se poderá confirmar a estranha formatação de tudo o que seja banda canadiana (Arcade Fire incluídos) a ordenhar um paradigma de crescendos e apascentares multiformes aplicados a um fundo de sentimento galvanizante ou solidarista de agregação colectiva a raiar as várias modalidades de sing-along mas sem o peito aberto do drunken stupor, e que de facto já soa a estiolar de hipóteses de crescimento expressivo. Neste caso, a coisa aplicada a lenga-lengas miserabilistas e too righteous explicit good intentions foi o bastante para o recuar quase para o fundo da longa lista de espera de audições, ainda que, como sempre, me possa vir a retractar do juízo precoce. No entanto, esse é um dos aspectos mais fecundos dos saldos (particularmente com o início das guerras à pirataria, cujas funções sociais, para lá da prevaricação por vezes psico-patológica, ainda não foram devidamente arguidas): concederem margem económica para a inquirição fronteiriça das margens do gosto subjectivo.
O aspecto mais fecundo, a resgatar a operação da mera gulodice avarenta, porém, é outro: é encontrar preciosidades que se não descobrem, nem querendo, na operação normal das lojas (como se foram items descatalogados engavetados numa cave dos rejects da existência socio-musical à espera quase que só de câmara de respiração artificial museológica). Neste escalão, deparei com a compra maior destes saldos, um duplo CD (7,5 euros) de um ciclo de Lieder (com o inevitável Fischer-Dieskau, sempre a comprovar que se dispensa quebrar o audiómetro(?) para fazer fluir a expressividade lírica) do quase anónimo (para quem não seja suíço, e...) Othmar Schoeck, em quem fiquei fisgado ao ouvir um lied de fulgor lúgubre numa colectânea de uma short-lived revista de música clássica, e de quem ando há anos à cata do ciclo a que esse tema pertence, que convoca de forma liricamente dolente os resquícios exumados do romantismo associando ao lied as promessas de desolação dos atonalismos que marcariam a face macerada de boa parte do século XX, para a qual pouco gostou de se olhar.

Ainda não foi desta que chafurdar no lixo dos escaparates não compensou. Who needs the trappings of public self-respect?

3 comentários:

Anónimo disse...

em meados da década de 80 comprei, numa loja de bairro que vendia gás, electrodomésticos, pilhas e, entre outras coisas, vá-se lá saber, discos de vinil(!) umas preciosidades que, se bem me recordo, oscilavam entre os 150$00 e os 300$00 e qualquer coisa os mais caros, além de muitos a 50$00 entre as quais os mais (únicos?) conhecidos seriam os chic, mas os outros também eram muito bons, especialmente discos de funk obscuro de finais de 70/princípios de 80.
no dia seguinte fui lá e comprei quase tudo, obviamente com um bom desconto por parte do lojista, que se queria desfazer daquilo.
e é assim que hoje sou o feliz (sic) possuidor de uma colecção de discos de vinil dos quais nem os seus autores já se recordam que gravaram, sejam eles xaropadas pastorais alemãs ou derivados gregos de démis roussos fora de prazo.
curiosamente, passados muitos anos, alguns que eram intragáveis na altura, são hoje curiosidades interessantes.
quando arranjar um daqueles aparelhos de ligar os pratos a um digitalizador...

Julinho disse...

Primeira consequência presumível cumprida: estou verde de inveja (até porque estou sem prato, e ainda mais próximo de lamentar não poder gravar os vinis para cassete - ah pois - do que de os digitalizar...).
Segunda consequência presumível, difícil de cumprir: cogitar seriamente sobre a razoabilidade de a colectânea dos" Morangos com yada yada" vir a dar uma curiosidade interessante com a distanciação histórica. Suponho que os contemporâneos têm sempre a prerrogativa de não querer saber do que se fará futuro o presente que presenciaram...

Anónimo disse...

mais ainda, pergunto-me se os versos finais de it's the end of the world as we know it (and I feel fine), sabem?, aqueles

offer me solutions, offer me alternatives, and I decline

serão ou não um programa de vida...
não sei,
interrogo-me.