Como control-freak with no boundaries escriba de um blogue efectivamente com 6 leitores (thank God) renitentes (isso é que já é um bocadinho triste), eu podia ficar ofendido com o emprego retórico dessa figura numérica pelo languiano (no reductionism intended) favorito cá do burgo, como, por razões que me escapavam, gosto de usar fazer suceder. Mas com essa enunciação, de apenas ter 6 (ou já 7) leitores, o LMO cerziu uma continuidade perturbante na percepção de dispersão física do nosso quotidiano. É que eu, que faço tudo para não ter amigos com vista a não perder mais CD's emprestados, arremedo rasca de cenobita, eu conheço seis pessoas que, com provas dadas, lêem o LMO. Começam a sentir as paredes a ranger, certo? Daí decorre que, se o LMO só tem mesmo seis leitores, a minha esquálida desculpa de rede de sociabilidade configuraria pelas artes do destino uma espécie de clube de fãs inconsciente (a menos que seja eu o personagem unaware da trama) do LMO! Ora, podíeis vós, na vossa cadeira ergonómica, descartar tal especulação como produzindo meramente a irónica consequência de um exercício de self-indulgent self-deprecation. Mas escutai bem: a ser real, este cenário estonteante é terrivelmente cataclísmico por duas razões: por um lado, com o Casanova de férias, a blogosfera não está equipada para dar conta das implicações cósmicas deste micro-cenário pynchoniano: imaginai, todas os blogueiros que anunciam regularmente a quantidade acumulada de leitores em números minimamente redondos que já tiveram, descobrirem que afinal, fora os compinchas do costume, eram visitadas dezenas e centenas de vezes ao dia por um só sádico com um desmultiplicador de IP's(?!) e, se necessário, múltipla personalidade comentarista (isto não é uma confissão e não pode ser usado contra mim pelos termos de uma certa lei, que eu digo que cá sei), ou então todos os leitores do clube de fãs LMO (get your bras ready) a lerem o seu blogue apenas a partir do computador da sua sede para não lhe coarctar a veia self-deprecationist e eventualmente danificar o equilíbrio ecológico da sua prosa. Por outro lado, isto materializaria a maldição ignota inscrita nos anais da idolatria universal: ter-me como groupie. Acho que nem o LMO sobreviveria a isso (I have my "bro" ready). Dadas as consequências devastadoras desta configuração secreta, só posso acalentar que, para seu próprio bem, tenha escapado um algarismo no sitemeter.
Quanto ao desafio em si, de uma lista de intepretações mais impressionantes of all-time, que por acaso até era o mote do post, que não a contabilização de leitores, eu estava naturalmente tentado a dar seguimento à subliminar veia absolutista e repentista que requer para a contabilização dos leitores d' As Aranhas a resposta expedita (a minha indolência sente-se pois desconsiderada) aos convites para alinhavar listas. Infelizmente, para lá da minha proverbial ignorância e incapacidade de seguir qualquer princípio organizativo, estou limitado pela incapacidade da minha compulsiva adesão epidérmica a um personagem ou persona em divisar esse hiato entre um actor e a sua criação encarnada onde lavra a interpretação, bem como pela bendita decadência da minha mirrada memória, que permite à parte remediada do meu cérebro convencer a parte irremediável de que se não tenho vida sexual é apenas porque não me lembro da vida sexual que tenho.
Assim sendo, a única coisa que muito a custo posso evocar, é a última performance mais impressionante de que tenho memória. E aí, para manusear um cliché cinéfilo recente, assim perdendo a minha reputação mas no mesmo passo em que finjo que tinha previamente uma a perder (um passo atrás para dois à frente, see?), devo dizer que a coisinha mais assombrosa a que (seguindo o formato), às 23:53 de 17/8/2007 me lembro de recentemente assistir, foi o Henrik de Börje Ahlstedt no Saraband. A sua transição de registos, da candura ao ódio sem senão, sem qualquer barreira divisória escolástica na expressão, na prodigiosa conversa com a Liv Ullman na igreja, e a humilhação infantil na face de Erland Josephson, dão um vislumbre abissal desse interno turbilhão nuclear onde todas as emoções se mesclam e colidem violentamente sem compartimentação. E em boa verdade, o facto de ser a ruína de homem mais comovente, e que toca Bach, dos últimos tempos, também ajuda (e claro que não, não me esqueci do incesto vagamente pedófilo: mania de julgar que as ruínas são bonitas...). É verdade que também me vem à cabeça o Ventura, na Juventude em Marcha (não consegui ver o Tarrafal), mas que é acima de tudo uma presença. Também por causa disso me lembrou o Frei Nazario Gerardi, «Francesco Giullare di Dio», ou, até só na indescritível cena em que é santa e impassivelmente esbofeteado pelo tirano, o "Irmão" Ginepro, de quem, muito justamente, nem encontro nome enquanto actor (que também o não era, mas sim frade - a presença, lá está). O que igualmente me leva a crer que deveria acrescentar-se, ao arrepio do facilitismo condecoratório dos festivais (dar o prémio a toda a gente), uma categoria para a interpretação colectiva mais impressionante, onde, provavelmente, para lá daquele bendito grupo de frades, o que me salta à mente com mais força seria a trupe fordiana agregada miraculosamente como um corpo simbiótico (precisamente a estiolar quando o equilíbrio das suas relações se compromete) no How Green Was My Valley.
Já quanto à categoria feminina, porventura pelo meu exacerbado egocentrismo, confesso-me de uma notória misoginia na apreciação artística: quase só homens, em qualquer meio de expressão, me interessam (a tal facilidade primária de adesão emocional). De qualquer forma, não creio que, assim de repente, qualquer lista possa não ter um lugar cativo para (novo cliché, desta feita sem gancho de redenção) a Katharine Hepburn. Poria talvez a hipótese do Philadelphia Story (e quase se habilitam a que ponha o tio Willie na lista dos homens: that's the kind of emotional sucker I am), onde impressiona principalmente por esse prodígio que é uma espécie de meta-interpretação interpretativa (estou a exagerar?): dar a ver não a mutação diacrónica de uma personagem, mas todo o recorte geológico da densidade sincrónica da personagem de que se faz a própria personagem personagem, e ambas serem visíveis e cristalinas no mesmo e único momento interpretativo.
Ehr, acho que vou parar agora...
Ou não...
Nota1: com o meu irredimível viés presentista, imagine-se, o que me vem agora a cabeça é o Dexter Gordon no filme do Bertrand Tavernier de que não me apetece procurar o nome (a cena onde narra um sonho de deranged jazzman ao psiquiatra e ao sair diz ao seu our man in Paris "nada mal, hein?", é nada pouco um assustador prodígio meta-interpretativo também), e o João César Monteiro, por supuesto, no substancial acto da criação de João de Deus nas Recordações da Casa Amarela. Temos consciência que este critério falseia o norte da lista inicial. Mas é preciso ver, antes da minha ignominiosa desqualificação, que o que o justo Fonda faz no Young Mr. Lincoln é dar corpo interpretativamente à ideia de uma presença mitificada, logo já apenas concebível (interpretável) doravante como in becoming. Portanto crisalidamente presentista. That's all I'm saying. (Valha-me São Gregório)
Nota 2: Nina Pens Rode, a.k.a. Gertrud?
Nota 3: não queria pôr o dedo na ferida, e ao mesmo tempo afirmar o óbvio ululante, mas, por favor, Jane Fonda: Barbarella. Frightfully impressive.