Business as usual
Bom, como não houve vaga de fundo a clamar pelo meu retorno, tomei a deixa de Santana e achei que era seguro voltar a fingir dar sinais dúbios de vida. Nada a narrar, contudo.
Bom, posso dizer que foi muito bom ver a Monk though. Principalmente a revisitação dos primeiros tempos, ainda que o minimalismo mímico mais avantajado e encenado mais recente não seja nada de desdenhar. No entanto, o trabalho conceptual vocal sobre o primalismo do fonema(?) como unidade puramente sónica de sentido ressoa extraordinariamente sobre coisas muito estruturais do nosso entendimento (nunca tinha assistido a um concerto em que a plateia à volta (porque se pude só pagar 5 euros para um lugar em pé, como felizmente houve poucos taraditos para encher o CCB nesta ocasião artsy, recambiaram toda a gente para a plateia para compôr o cenário; e a quem pagou mais cheta pelos seus lugares, pois, ninguém vos mandou ser burgueses ostensivos (suckers), e é assim meus amiguinhos que um sistema minimamente razoável de estratificação social funciona, logo, arrumem a carteira esmifrada, e agradeçam que a minha pandilha de lumpenaudiofruities vos deixe mais uns mesitos de paz social sem ataques insensatos de espasmos vocais na praça pública) se pusesse a tentar reproduzir no intervalo as modulações vocais que acabara de ouvir, como que num jogo de aprendizado mimético infantil). Lidando com a pura expressão do ressentir sonoro primário das coisas do mundo e das suas sensações sobre o entendimento nu, sem o oversight retórico da palavra herdada e formatada, e acoplando-a à sua expressão cinética no corpo (e por isso, a Monk é mesmo também para ver), é como se a mulher estivesse a elaborar um léxico fónico (se não existe, devia) de base, espécie de esperanto vocaliso, para construir um entendimento partilhado das fundações primeiras de se ser humano no mundo. Quando parece que a maioridade artística se anda hoje a medir pelo grau de boschianice na antevisão do apocalipse em preview, é bastante reconfortante saber que já tenha andado alguém a trabalhar nos andaimes para a reconstrução de uma cultura humana.
Eh, já agora também confirmo que o Cave já anda feito um bocado caricatura de si próprio (e a tocar o Into My Arms a rir-se, e a estropiar o Your Funeral,My Trial, senhores...), o que até é chato porque o último disquinho até é um pouco mais que o picar o ponto dos últimos tempos. Mas quando se vislumbrou a sombra do velho (quando era jovem) pregador ainda a memória de um repentful arrepio se avantajou, ainda que naquele contexto seria mais de um gajo se sentir culpado por comer um kit-kat inteiro do que por fornicar com todos os seus familiares no Bayou Country. Tocaram o Tupelo, o que foi bem, e o Mick é um gajo castiço, ainda que me pareça que haja ali uma débâcle surda entre a tradicional facção Bad Seeds e uma eventual facção Warren Ellis. Enfim, deus e o diabo sabem que aquilo está a precisar de um pouco de fricção para atear fogo que não seja de lareira de ecrã ou fritadeira de amplificador. E chamou a audiência de fucking idiots, o que foi o momento mais comungado da noite, supostamente por entrar cedo demais em coro, mas provavelmente mais por estar ali a pagar para estar numa desbunda de compinchas. Ah, and what's with the spitting, Nick?
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Nesse capítulo, o Bargeld ganhou a palma ao pôr-se na alheta dos Bad Seeds, porque se os Einstürzende estão mais fofinhos (já nem tocaram nada anterior a 2000, e o Blixa pôs-se a debater o seu eu antigo e novo (wanky wanky)), só porque trocaram o martelo pneumático pela marreta, a verdade é que se os seus concatenados sonoros têm novas formas mais roliças e eardrum-friendly, o método industrial continua a ser surpreendentemente o mesmo, e continua a transportar mais que uma lamela de uma labuta histórica sobre a linguagem musical popular, que devia fazer parte do b-a-bá (é assim? (e quão cúmulo da ineptitude sentenciosa é perguntar como é que escreve o bê-a-bá, e logo quando se quer verberar sobre o seu cânone vocabular?)) da educação musical das massas, embora tenha ficado a pensar que um dia aquilo ainda pode tornar-se num espectáculo de uns Stomp alternativos.
Deviam mesmo era ter atenção ao dress-code da coisa, porque com o baixista (logo um histórico) a parecer surripiado dos Scorpions, o Blixa em trejeitos emo (é assim?) com a franja, o guitarrista saído de um classic manwear fashion-show passerelle de Nova Iorque, e o teclista e (digamos) baterista expelidos de um vídeo dos Soft Cell, a audiência idólatra estava pejada de destroços de um cataclismo estilístico sem saberem para onde virar o eyeliner. Valha-nos o bom sóbrio clássico do careca bacano nas percussões, que não sei se é do que as miúdas gostam mas é sem dúvida do que as miúdas deviam gostar, se tivessem o bom senso de ouvir os meus conselhos na matéria. Já eu, não pouco descalabro moi-même, mas mais estrutural, o que não torna plasticamente recomendável reforçá-lo redundantemente nos andrajos, fiquei com pena de não poder comprar a t-shirt com a estampa do cavalo ejaculante do Haus der Lüge, mas nem era t-shirt, tinhas as mangas longas e tornava a peça um bocado chunga, mesmo se flanada para me estrear um dia no S. Carlos, mesmo se me pudesse dar jeito para a carreira futura de peão d'obra, mas olhem, não se pode ter tudo. Além de que, se essa coisa de fazer música à margem da indústria, à conta de uns apoiantes carolas, parece uma experiência de organização da produção muito interessante, quando os pôs em concerto constantemente a impingir os produtos exclusivíssimos que tinham lá fora, incluindo a gravação em tempo real do próprio concerto, fez-me por momentos pensar que estava a ouvir o meu merceeiro gabar um fiambre de porco preto (há isso?) enquanto o cortava na máquina. Mas não serei eu nem as minhas meias de rede a ajuizar como é que os outros devem ganhar a vida.
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Entretanto, confesso, sim, et ego(?) Julius, estou mesmo um bocado rendido para ver os National. Não me estou a lembrar de outro concerto para onde não vá com meia costela reaccionária mal-entalada à espera que "toquem as antigas". É bastante triste, embora por vezes insuperavelmente surpreendente (mas o Hammill e os Van der Graaf não contam para estas matemáticas), só passar a vida a gostar de coisas pelo espelho retrovisor. Acho que não me lembro assim de apanhar outra banda em perfeito estado de graça, excepto os Gaiteiros de Lisboa quando lançaram as Invasões Bárbaras (é bom que não haja ninguém aí a pensar que isto é piada), a justificar o espreitar menos cínico pela gelosia de uma euforia contagiada (coisa que provavelmente não me aconteceria se a Beggar's não fosse tão rápida a baixar os preços para padrão paperback (aprende indústria chupista)). Sim, porque se as colheitas anteriores têm também para moi coisas muitíssimo estimáveis (e curiosamente mais nas mais recônditas, sendo que não seria como folk-ou-indie-rockers que me teriam levado ao lugar, mesmo com o pastiche da cindy lauper), e já sugerem os ingredientes apresentados à espera apenas da alquimia das proporções, o salto para o Boxer não deixa de me continuar a soar quase épico (para mais, um em surdina), com aquela inefável sensação quase metafísica, desde os primeiros acordes de piano (que me submeteram um pouco da mesma maneira implacável que os do início da Pyramid Song dos Radiohead), de everything falling into place. Epicidade (isto anda bom) para o que contribui (mesmo não sendo necessariamente aquilo que mais leve para a cama), para minha surpresa dado o que (não) havia lido (conspiração da selectividade?) a esse respeito, a prodigiosa polissemia poética das polaroids barra cupholders de vida americana (sabido, excepto por cineastas estrangeiros só de visita (não os imigrés, atenção), não ser matéria só de território) na subjectivação encarnada dos espectros de um país, um modo, uma condição e um tempo da vida, em crise e em guerra (ao mesmo tempo metáfora e literalidade, porque ambas ominosas no l'air du temps - desculpem lá o frufru), onde a amálgama inextricável do pessoal com o político, na ressonância pessoal de um coming of age, não é uma blague soixante-huitard a desbastar pelo cinismo do fauteuil, mas um dado adquirido dos hangups dos gestos e palavras do quotidiano, o que, não servindo qualquer maniqueísmo ou voluntarismo temático (phiuff (as minhas onomatopeias ainda estão dois acordos ortográficos atrás)), acaba antes por imbuir de uma clenching gravitas as aparentes e efectivas (reiteradamente so) minudências do vivido, colhendo o raro paradoxo de uma contemporaneidade personalizante em dilatação no tempo, espaço e corpos. E deve ter o Springsteen a roer-se um bocado na siderúrgia (notar a minha contenção em não ter optado por escrever antes powerplant). Gostaria também de esclarecer que só escrevi isto tudo para meter a do Springsteen (o que não é menos triste), portanto tirem lá essa cara de enjôo. Ou não.
Pronto, acho que é só isto.
Enfim, claro que desde que rererererevi o Hatari! na televisão no início do mês (e que, claro, ao contrário da merda dos MIB ou do Ishtar ou do Evita, não vai repetir, pelo menos este mês, para poder finalmente gravar, embora nunca veja filmes gravados, mas às vezes gosto de saber que estão lá), tenho andado a ouvir as pessoas na rua a tratarem-me casualmente por bwana. Confesso que me pareceu inusitado de início, mas a verdade é que quando lhes digo para continuarem a fazer a sua vida como se o meu extraordinário poder de atracção carismática sobre eles não existisse, eles cumprem-no escrupulosamente. Estranhamente, quando me faço à população nativa é que a coisa não corre muito bem. Talvez porque não estava no guião, talvez porque não fosse uma fantasia colonial. É o problema de ficarmos cativos, por razões que não nos interessa explorar, em filmes que nos acompanham seguros desde o tempo em que as tardes de fim-de-semana da RTP1 tinham cinema clássico: não há margem de improvisação para um destino cujo fado é o de não se cumprir.
(como é que se grafa o som de um expiro nasal?)
2 comentários:
ai este último parágrafo, este último parágrafo... o que eu me ri...
Estará bem até ouvir, atrás de si e vindo das árvores, «piga bwana».
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