A imprensa portuguesa precisa de fact-checkers ou assim como de beldroegas para a sopa de beldroegas
A blogosphera* é uma grande espelunca, certo, onde grassa vil anonimato (hã?) acoplado siamesamente a propósitos difamatórios, e o primado da inimputabilidade do opinado pela sacrossanta subjectividade. Mas nem tudo é execrável. Por exemplo, aparenta ter algumas possibilidades de auto-correcção potencialmente bem mais eficazes que o discurso e opinião instituídos nos media tradicionais (e cujo perfil cada vez menos especializado, ainda que em termos latos, tem vindo a tornar mais confrangedora essa pecha) que, aparentemente pouco ciosos da sua solenidade institucional, pouco se vão protegendo da sua senescência natural (talvez por os seus protagonistas não se virem habituando à mesma, como eu, desde os 13 anitos).
Veja-se: quem (como eu) segue procurando acartar húmus cultural da vaga leitura de jornais (para logo o olvidar), folheando os de há duas semanas ou assim (giro a minha desactualização com quase absoluta precisão), pôde deparar-se com a revelação, nas páginas do Público, do Fred Frith como "ex-membro dos lendários King Crimson" (não trocando, certamente, o Fripp pelo Frith, para não dizer o Robert pelo Fred, para não dizer o ex-membro pelo "o" membro, passado, presente e futuro), pelo que se anseia redescoberta e revelação de gravações secretas dessa união anteriormente inexistente e doravante mítica, por um jornalista/crítico/? que esteve no concerto do aforementioned guitarrista com o John Zorn, ocupando para o triste efeito que se viu um lugar que alguém, por mero exemplo eu, não conseguiu acalentar com as suas afáveis nádegas, à conta de a fixação já em deriva desmiolada no aforementioned John (não desdenhando), da qual o dito artigo se fez bom compagnon de route, ter esgotado o auditório (ainda que pelo menos tal fortuna tenha poupado a minha "fortuna" em 20 euros para um mui aprazivelmente localizado mas nem por isso menos pétreo assento ao ar livre - what's up with the mecenato, Calouste?...).
Pela mesma altura, o mesmo leitor podia ainda mais aturdido encontrar-se com a exposição à descoberta ainda mais inaudita, por Miguel Sousa Tavares, nas páginas do Expresso, da existência de um bravo escritor russo, vítima do estalinismo, de seu nome Ossip Meldeston. No contexto de um original lamento pela indiferença da comunicação social lusa face à morte de Soljenítsin, por sinal o parágrafo de partida de quase todos os outros artigos de opinião que li sobre o facto (não uma amostra representativa nem aleatória, granted), recorrência que aparenta acabar por se envolver numa trágica quezília lógica com o argumento que propulsiona (espécie de suicídio discursivo pré-cognitivo de grupo), bem como poderá dizer mais sobre a percepção dos cronistas do ambiente cultural contra o qual se querem posicionar (ainda que, quem sabe, com alguma razoabilidade) do que providenciar um efectivo retrato desse ambiente; vem pois à baila a revelação Meldeston, com avanço bibliográfico, em português e tudo, de um livro de sua autoria, «Contra Toda a Esperança», deixado por publicar à altura da sua morte.
Observadores presunçosos, com o seu cinismo de algibeira, estarão certamente em pulos para observar que, nem com o buffet gráfico que as traduções nominais do círilico ou lá o que é tendem a oferecer aos palatos vocabulares mais variados, Meldeston aparentará ser uma das declinações assisadas de um tal outro Ossip Mandelstam; bem como que o seu dito livro deixado inédito porta como título uma quase-coincidência suspeita com o do primeiro tomo de memórias, em inglês «Hope Against Hope», não do próprio Mandelstam, mas antes da sua viúva, Nadejda (segundo a grafia do único volume de Mandelstam, Ossip, que me calhou ter lido, em português, cortesia dos quase inevitáveis Guerra, a quem ora brevemente me acoitei para a tarefa sempre ingrata de cover my ass). Já eu, cônscio dos mistériosos maravilhosos que podem a qualquer momento brotar do campo mágico da edição brasileira, fico caladinho, como poderão constatar por este ponto final parágrafo já aqui.
De qualquer forma, o que interessava relevar, considerando a hipótese retórica de MST e o outro tipo terem pisado a poça e em seguida a achado acolhedora, era que tivera sido a ocorrência num bl(og)ue (excepto neste, onde os hipotéticos leitores se devem ficar a escarnecer confortáveis das minhas imbecilidades até que eu detecte as que seja capaz de detectar quando eventualmente faça uma retrospectiva de onanismo fracassado), e regra geral alguém enviaria, alternadamente, um espalhafatoso comentário para ruir a tribuna alheia, ou um discreto mail num discurso de pinças para não ofender a calinada alheia a bem das próprias mas suscitando invariavelmente resposta lacónica equivalente a um levantar de sobrancelhas como sinal de efusivo reconhecimento ao cruzar um conhecido pela rua, assim possibilitando a errata atempada in loco, antes da sua potencial apropriação acéfala em massa, propriedade certamente também bem documentada of all things Internet.
Mas como, felizmente, pela absolutização das aforementioned razões infelizes da blogosphera, o MST (o verdadeiro - oh, ilusão moderna... - não o - diz o verdadeiro - identity-thief) não lê bl(og)ues, nem as colunas d'"o Público errou" ficam para a história dos recortes de imprensa, nem o tempo dos jornais volta para trás, Meldeston poderá ir fazendo carreira (ironicamente) pela replicação internética, com selo de qualidade jornalística, do artigo de MST, e a organização do que se borra nas rotativas portuguesas continuará a poupar uns tustos nas folhas de pessoal, pelo que ficamos por aqui, como poderão constatar pelo ponto mesmo final que se segue.