Pax
Não que com a exponenciação dos mecanismos de citação cinéfila as odds não comecem antes a reverter para conseguir encontrar dois filmes desirmanados por qualquer citação (a new Kevin Bacon test looms on the horizon...), mas, for the moment, what are the odds de ter apanhado e visto pela primeira vez o Donovan's Reef e A Cara Que Mereces no mesmo dia (por sinal, fita eminentemente mais loveable (a ponto de não conseguir senão desembaraçar-se calorosamente do formalismo da situatio narrativa, como aquelas merdas que os shuttles vão deixando para trás) do que há quem diga (que fazer?, sou por definição um nostálgico sentimental), mesmo com a primeira parte a fazer papel de pau de cabeleira. E, pelos céus, já que nas lides derrière é a malapata que se sabe, nas décadas de intervalo alguém aproveite para me ir pondo o Manuel Mozos à frente da câmara mais vezes (o que há, aliás, Tarantino confirma a regra, nessa coisa de os realizadores serem tão apetecíveis frente às câmaras? Francamente, trocava quase toda a carreira do Pollack por vê-lo a despachar mais uma pêga no Eyes Wide Shut). E como estamos nisto, devo dizer que sou absolutamente contra andarem a pôr o Airosa a explorar novos registos. Vi-o a primeira vez no Torquato Tasso pelo Silva Melo e não me calei a elogiá-lo àquela velhota que foi a única da assistência que à saída não tinha pedalada para evadir-se à minha cadência opinativa (é certo que as macacadas do Miguel Borges na época (para quem a arte da cenografia consistia em dotar qualquer adereço teatral da capacidade de trapézio), passíveis de transformar qualquer encenação de Goethe num episódio do Criss Angel (vi tanta televisão este Verão. Precisava de resolver a minha vida para poder enfim tentar ser menos desesperadamente infeliz, e quase só vi televisão. Ninguém me pode odiar mais que eu neste momento, e não imaginam as reservas insuspeitas desse sentimento que eu seria capaz de bombear de vós, gente abestalhada. Vi duas temporadas do Dexter ao mesmo tempo, com a terceira a estragar-me todas as surpresas da segunda, e eu impávido. Vi a encenação do Siegfried gravada no São Carlos (all four hours of it), com germanos vestidos de hooligans a falar com passarinhos dependurados de uma vara movida por uma badass chick (ah, sim, a desconstrução, murmurei, impávido) e valquírias com pinta de knackwurst embrulhada em lingerie a receber um extra por baixo do camarote ao fazerem em palco o teste industrial dos limites de elasticidade dos modelos da Victoria's Secret e que só saíam out of character (ah, pois, a desconstrução da desconstrução, cogitei, involuntariamente, impávido) pela ausência de um fiozinho de sauerkraut infiltrado no canto da boca; e o analista que não tenho sabe que não me submiti às all four hours of it pelo meu amor pelas intentonas cromáticas à hegemonia tonal, embora a minha enciclopédia de música contemporânea saiba o quanto gosto das intentonas cromáticas à hegemonia tonal. Ah, e o Cops, oh estupefacção degenerada, o Cops, como é que me tinha escapado e como é possível esse pináculo insidioso da exploitation de qualquer género em qualquer formato. E só não vi o seu spin-off Jail, porque andam (juro) a promovê-lo como o desenvolvimento natural do cinéma verité (coisa hilariante para designar, a tomar pelo modelo, um produto visual cujas condições de verdade são precisamente o que deliberadamente se mantém fora de campo, o que a torna mais tv aldrabée que a ficção mais artificiosa; mas que, enfim, até dá para o cinéma vérité que se intitulou cinéma vérité aprender no que é que dá intitular-se cinéma vérité) e eu não gosto que cauções intelectuais (não há nada mais abjecto do que pretender traficar elevação junto com o contrabando vaginal em dia de visitas) interfiram na minha fruição de exercícios panópticos propedêuticos sobre massa crocante de estereótipos sociais (só o genérico, com uma música, reggae, intitulada Bad Boys, e os seus disclaimers de innocent until proven guilty in a court of law, devem ocupar a totalidade da cadeira de Dimwit Semiotics na UCLA). Não, a sério, estou a um conseguir ver um Tyra Banks Show para definitivamente arietar lá o cátodo com o crânio e acabar, em idiotia poética, de vez com isto. Enfim, pronto, e um dia cruzei-me brevemente (juro, não vi até ao fim) com um tal Criss Angel Mindfreak (juro, aquelas merdas da Sick* Radical), mas não quero falar disso), eram capazes de fazer sobressair qualquer contra-intérprete (há uma palavra para isto, não há?... socorro...) como modelo de sobriedade, mas tanto?), e portanto deve continuar a ocupar-se de variações em torno desse carácter. A versatilidade é lamentavelmente sobrestimada, com a presunção da unidimensionalidade da empatia emocional dos espectadores, passível de ser capturada pela transfiguração de um bom actor em qualquer personagem. O espectador não é completamente imbecil, consegue funcionar em vários planos, e o que vê, e amiúde quer ver, são actores (um plano) a desempenhar personagens (outro plano), e é da congruência de ambas as dimensões (e não da anulação extraordinária de uma pela outra) e, reconheçamos, do seu afunilamento diacrónico, que a empatia (mesmo para a repulsa) e adopção figurativa se geram, e tal, não sendo tudo, é a big deal (John-Wayne-like, por supuesto). Portanto, não forcem o moço, até porque é uma raridade alguém ter jeito para esse paradoxo que é projectar uma figura ensimesmada. É certo que a figuração pública desse paradoxo pode ter a consequência não pretendida de fortalecer iconicamente a auto-modelação de uma geração como overunderachievers mas, não me twittem, isto ainda é a blogosfera, onde, qual Litmus Test, se assiste à cena final do Vive l'Amour e o que se articula espontaneamente após é um "I can top that", pelo que creio podermos acordar que aquele é já um problema fatalmente datado. Dito isto, e quanto ao que daí decorre, alguém vos ajude, que eu continuo ocupado)?
P.S. - Mozos, não se esqueçam. I miss Harry.