sábado, 18 de novembro de 2006

À beira do mar

Habitava, pela apatia dos membros, desertificado vilarejo, lambido, a espaços tragado (ninguém deu conta), pelo mar. A produtividade e o lazer ausentes como o raiar do astro, abandonando à sorte periférica os cativos da imobilidade sazonal.
Esgueirava-se do seu tugúrio, descurado da pluralidade humana, pouco antes de a noite tornar, enquanto o dia concedesse um vislumbre de diferenciação na vigília, a recolher mantimentos, amarfanhando com o silêncio possível o saco de plástico no bolso do kispo puído, com a mera funcionalidade dos orifícios sensitivos a esgueirar-se da barba matusaleica, gerindo as trocas dos estímulos exteriores com o pressuposto interno de um espírito motor.
Um dia incauto, levantando o sobrolho (a linha da coluna curvada em pedra), um assomo de consciência assaltou o gesto, e num espanto devia claro que outros seres via como outros, como se não fora parte compósita do tão repentino quanto perene agregado matemático de seres devolutos, espelhadamente refractando-se no espaço, fixos no rumo programado da mecanizada persistência colectiva.
Um segundo durou a percepção, e não teve tempo de se manifestar o pânico, que logo a distinção do eu a outro tornava a embotar-se novamente no corpo fechado. Não se sabe se chegou a gritar soylent green is people antes de maquinalmente se subsumir na catatónica razia. Não teria feito diferença.

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