A epifania da canção
Em quem se descobre habitar uma canção, há muitas vezes um só momento nesse processo que será cume irrepetível.
Há primeiro a sequência sedutora de lhe irmos conhecendo os contornos, os fragmentos que cerceiam o défice de atenção, as palavras que desenham um sentido para o ressentido que nunca havíamos formulado.
E há depois o habitar uma canção como a casa que nos acolhe o corpo cansado, dolente, carente, agitado, cujos recantos são mapa cravado na orientação de seguir vivendo.
Mas no entrementes, muitas vezes, há uma audição, só uma, em que, distraídos, sem aviso ou preparação, a canção nos surge, desnuda, feita matéria sensível toda nova e completa num raiar de inaudito esplendor, dizendo-nos finalmente, plenamente, as defesas descaídas, a arquitectura palmilhada, de uma existência doravante mutuamente constitutiva.
E depois, as epifanias, tal como se não prevêem ou se forçam (quantas canções assim são perdidas), e se não pedem ou anunciam, acolhidas apenas na ressonância instantânea de quem lhes reconhece o advento nas arcadas do ser, também não se repetem, quando o seu reino foi instaurado, a nossa condição decretada, a vida iluminada (por vezes mesmo na luz negra do silêncio e escuridão).
And THAT'S how you sing Amazing Grace.
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