sexta-feira, 7 de março de 2008

I say... too much, and not enough

É já evidente que, por baixo deste meu exterior rude, monástico, empedernido, estóico e distanciado (grunho, diríeis), bem como do saiote que o adorna, eu me melo todo quando um desses mecanismos instituídos de reconhecimento social blogosférico derrama a sua magnanimidade sobre o meu cucuruto adepto faz de conta que não de todo o baptismo que o redima do seu exílio indeciso de toda a agremiação humana; quase tanto quanto me amofino à sua vista com a carga de trabalhos com que a atenciosidade me sevicia a natural inércia desconjuntada. Porém, para lá de todo esse imbróglio existencial, esta gentil intimação a inscrever-me no mundo dos vivos, por via da enunciação das minhas 12 palavras favoritas, causa-me sarilhos incontornáveis. Palavras, são nomes de coisas e noções que gente com capacidade expressiva balizada pelo acúmulo sagaz de valências linguísticas civilizacionalmente dispostas emprega com a justeza e imaginação que o domínio criativo de um património comum pode exponenciar à reconversão de toda a paisagem e infinitude de arquitecturas de ser que nos foi dado não poder abarcar numa vida inteira: logo, uma criatividade metafisicamente fútil, mas mais que adequada à distensão de world-views de seres forçados ou acondicinados aos limites existencio-territoriais que lhes desenharam as regras de um mapa-mundi (no meu, madagáscar está neste momento soterrado sob um 1/3 de batata frita). Qual é então o meu problema? É que eu não digo palavras, eu digo dispositivos linguísticos de nomeação; como não digo trela, digo fio de cão. A minha memória está em decadência a uma velocidade cada vez mais alarmante desde que entrei na idade adulta, e o gajo que me assoma em suferfícies espelhadas, e mais ninguém, sabe que já lá vai por demais o tempo. O meu vocabulário a cada momento é o que consta dos textos (e por textos entenda-se legendas de sitcoms) que li nesse dia, e será substituído pelos textos do dia seguinte. Por conseguinte, é com esse diminuto vocabulário em constante substituição que eu tenho de tentar organizar formas expressivas que restituam o sentido comunicacional que o comum dos mortais apreende num só vocábulo, empilhando assistematicamente palavras (como vocês dizem) sobre palavras na vaga esperança de conseguir competir com o potencial descritivo de uma fotografia realizando um retrato-robô tendo tido sempre 3 à rasquinha a educação visual. Como tal, não por acaso, as únicas duas palavras de que posso hoje dizer que gosto mais (porque hoje as li e até me deitar, por enquanto, ainda as recordo), são palavras que amalgamam várias numa para construir o seu sentido, ou que combinam numa um sentido plural ou quase paroxístico: instrumentos reflexos do meu penar expressivo de cada dia. Assim ensimesmado; assim ledo. São palavras que, por diferentes metodologias, contêm praticamente frases inteiras dentro. Ensimesmado, na elegância enternecedora da sua auto-descritividade desarmada, é de uma beleza tão franca e rendida à inteligibilidade que é quase um ideograma (e o meu eufemismo de eleição para masturbação). Ledo (apesar de o Camões a ter galderizado um bocado) é um daqueles pequenos prodígios expressivos de concisão, que em quatro letrinhas apenas contraria a pretensão racionalista (diferente de racional) de decretar a determinação conceptual dos sujeitos a significações inequívocas e unidireccionais, e mais que polissémica, é uma palavra quase paroxémica, capaz de sagrar em unicidade linguística a complexidade existencial de estados contraditórios. Melhor que isso, só a paralinguagem, com a qual realizo com estonteante eficácia 90% das minhas conversas com a pura omnipotência do fonema primal (hummm), espécie de reticências modulares. Imagino que o meu sonho seja que, ao pleno oposto da prática retórica que me molesta e viabiliza, um dia toda a interacção linguística pudesse ser fixada numa minimália de vocábulos singulares, cada frase concebível destilada numa palavra, cada conversa uma troca sequencial de vocábulos isolados. Aí, finalmente, com as minhas lacunas recorrentes, os meus esforços expressivos seriam estruturalmente indeferidos, e poderia legitimamente repousar imperturbado. Mas até lá, fear not, retorquo do fundo do meu dilecto ensimesmamento com toda a possível de rapar do tacho sensação invasiva e expansiva, sem manípulo de contenção, de exultação, que um aceno me confere ("alegria", if you must).