segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Teoria da (des)ordem

Para quem creia no poder demiúrgico de certas expressões humanas, pode dizer-se que apesar de todas as suas auto-restrições, he's been tempting fate for too long. Mas também para a inconsequente piedade de um descair no desamparo, facilmente se pode afiançar que fate's been tempting him longer ou harder (a atestar a fraqueza humana, claro, não a contestar o fado). Mas mesmo que tais destinos sejam equívocos de nabiços oráculos (a presunção do piso ao virar da esquina), para quem se acoste aprazadamente à certeza de uma crença, considerando a usualmente pretensa justa omnisciência que a tende a enformar, dificilmente lhe seria razoável ser dos seus pêndulos cativo na insciência dos seus ditames. E como o destino nunca soou justo à pele lacerada, provavelmente a querela de sentidos com os equívocos avatares da nossa propulsão, etéreos ou quase inacreditáveis de tão reais, pode ficar-se nessa intestina encruzilhada. Entre o acaso incontrolável e veras mãos invísiveis que ajuízem melhor do que os nossos corpos o que veramente significam mas não alcançam, não se queira o inocente ou desistente gesto estouvado brandir uma maldição.

5 comentários:

Anónimo disse...

mas há fados que tanto desafinam, que só esse brandir parecerá saída; como acasos que tanto acertam que a epifania nunca se vislumbra.
estará em pandora o problema.

Anónimo disse...

Por certo. Mas na criação dos nomes do mundo que há séculos rezamos à luz das fogueiras, a saída desse brandir poderá resultar apenas a ancoragem de sentido da resignação ao descontrolo do que nos rodeia; e na materialidade que nomeamos acaso, irredimida daquelas transcendências, o certeiro tantas vezes nos vota a ler a epifania e sua senda nos caminhos que restam. Entre a suposição do mais, e a restrição à materialidade do que os sentidos e as capacidades alcançam, é danada vida de gente ler mais que um gesto e o que ele toca, na mão que se move (quando isso já é tanto). Se a caixa se abriu, o mundo é agora seu contentor, já sem resgate numa metafísica de imponderáveis. Dir-se-ia talvez: pondere-se o tacto, e o imponderável de si saberá, no suave vogar de ignotos rumos, para quem lhe não ajuíze a bondade de apascentar cativos.

Anónimo disse...

de acordo. de equívocos é feito o mundo e não pretendo defender a irracionalidade de brandir o que quer que seja, proveniente de informação transviada e distorcida por olhos idiossincráticos.
mas num vislumbre de algum sentimento céptico em relação ao que não se pode ver, lembrei-me (isto a propósito da entrevista a lobo antunes) de um provérbio húngaro citado e que já tinha ouvido: "na cova do lobo não há ateus".

Anónimo disse...

Mais uma vez de acordo ("boring..."), e de facto, bela e curiosa expressão. Mas cuide-se que tal provérbio largamente se atém ao que desperta num momento de excepção, de disrupção, temor e tremor, sendo mais discutível se esse awakening poderia ser algo latente previamente, ou é apenas um farripo (conquanto central) dos nossos universos culturais a que fazemos apelo precisamente em momento que desafia qualquer ordem de recurso ou sentido. O problema para mim não é tanto esse, nem sequer o esquivar do nutrir tais formas de ancorar o ser no mundo e nos seus mistérios: é quando essa ancoragem, não quando tombados na cova do lobo, mas de alguma forma quando a cova do lobo becomes us, se atém a ditames materialmente incertos, dogmáticos ou supersticiosos, de sobrevigilância e condenação do ser e seus gestos numa clausura de inquietação por desafio ao desconhecido (e como tal, com todo o espaço para a nossa imaginação das formas de tentar o destino ou seus avatares sufocar cada acção e pensamento com o temor da incauta ou ignota danação). Daí, não são as formas de que preenchemos esses vazios (isto soa demasiado substitutivo e funcional, mas não é tanto essa a intenção) que me podem inquietar, per se, mas sim formas de entrega a essas presenças ou imanências que alimentem um superavit de interpretação da causalidade da nossa acção no mundo (muitas vezes para lá dos seus estritos ditames dogmáticos, pelo que também não uma contestação institucional de que aqui se trata), para lá de qualquer razoabilidade material, e que ao invés de proporcionarem o suplemento ou resquício de esperança ou apelo na cova do lobo, auto-arquitectam uma canga simbólica capaz de pesar mais à já de si complexa responsabilidade de agir no mundo, atando simbolicamente os nossos gestos ao temor febril e incerto de uma maldição, que acaba por ser quase profecia que se cumpre a si mesma. É pois somente desse excesso de sentido a que o resguardo de uma segurança ontológica por vezes nos acomete na preservação do mal (quando transborda para o grande desconhecido, com o qual só simbolicamente podemos lidar), que cuido dever desalinhar a já de si custosa vida vivida (a mais ou menos espaços) na cova, sem que ainda tenhamos que efabular a presunção de termos sido os próprios carrascos dessa queda, o que não correspondendo à lógica material dessa dor, apenas lhe acresce. Sendo a entrega a esse excesso de sentido algo de uma disposição cultural largamente disseminada, concebo pois que o cuidado tenha que ser em acometer-nos a na menor medida possível ser cativos da nossa própria condição de aspirar mais que os sentidos desvelam, e essa aspiração só ser pois concebível na justa bondade do cuidado aposto à nossa presença no mundo. Tudo o mais, que volva essa presença a uma inconstante e incerta ameça, e ate e onere um corpo já batido pelos ventos, quanto mais pelas suas próprias mãos, é maldição of our own making, e uma crença (qualquer, genérica) que se preste, ou que prestemos, a erguer essa particular prisão simbólica de nós próprios (pode haver outras que, correspondendo à contenção do gesto materialmente cruel, não incorram nessa irrazoabilidade, antes alimentem, ainda que por vias concebivelmente tortas, uma razoabilidade humana), mesmo nas suas compensações simbólicas, would be (forcefully) no presence of mine. Tudo o mais, é tudo o mais, e afora o constante resguardo de um quadro de integridade (nos dois sentidos) humana, não tenho nenhuma negação aos espaços ignotos a afirmar.

Anónimo disse...

muito bem.
para terminar (boring again), de acordo.