sexta-feira, 2 de março de 2007

Tira-teimas

Andou por aí, breve (e distante, o que diz bastante do intervalo cognitivo da minha apreensão fenoménica) no tempo e no espaço, eco de vozes, numa escolha de Sofia dos televisivo-dependentes, manifestando a sua preferência por um dos dois paradigmáticos apresentadores de talk-shows norte-americanos, o Jay Leno e o Conan O'Brien. Não cuidava que as comparações fizessem particular sentido, já que os cavalheiros se fazem de exercícios humorísticos largamente diversos: o Leno num exercício mais formatado oriundo de stand-up comedy; o Conan numa voragem anárquica (which does take some getting used to) que abraça de bom grado a contingência, o erro, o excesso a testar os limites do ridículo e do exasperante, da qual a sua pessoa, a sua persona e a corporalidade que integra e fomenta aquela dualidade de fronteiras ambíguas, se erigem como centro da tempestade (da qual os convidados mais entediantes se tornam quase meros apêndices a fornecer leitmotifs, e os mais aventureiros se vêem co-participantes de uma espiral de nonsense cujos limites alimentam a própria subversão - o Jeff Goldblum é um clássico), o que o torna às vezes um exercício fascinante de absolutização do idioma humorístico sobre a intervenção do "real" não-domesticado para o efeito, com um live bodily experiment em exposição performática a operar a transmutação. Teoricamente, deve ser o programa gravado com menos editing do mercado (algo sintomaticamente, "we'll edit that out later" é das frases recorrentes a aparecerem nas emissões). Metaforica e literalmente , o Conan O'Brien é, a bastante distância de Leno, um "humorista" de corpo inteiro, ainda que não chegando a entrar na danger zone de, por exemplo, Andy Kaufman.
Contudo, mesmo buscando terreno comum para fazer-se a comparação, a logística humorística de Conan sobrepõe-se, resgata e subverte qualquer circunscrição de formato humorístico, como no clássico monólogo inicial em registo precisamente stand-up comedy. Basta observar os apartes não escritos às piadas para avaliar não da qualidade autorística (salvo seja) do humor, mas da encarnação personalística de um humorista (o que faz toda a diferença - um mau cómico descortina-se à primeira, mesmo com a melhor piada do mundo).
Há pouco tempo, numa peça humorística, entabulava-se um diálogo "apaixonado" entre Conan e o baterista Max Weinberg (compincha do Springsteen - as bandas dos dois programas são outro indicador diferencial de qualidade esmagador) sobre os entediantes e minuciosos pormenores, que fazem as delícias dos expert-fans, do futebol (que chamam soccer, irrisório nos EUA e seus desportos manápulocêntricos), findo o qual o nosso red-headed-proto-albino-gigantic-irish-nerd apresentador desabafa «Man, what a crappy game!». Ouvem-se "ohhhh"s da plateia. Conan comenta qualquer coisa como «Uau, there's lots of people now writing angry letters of protest...» e num flash de inspiração, remata «...with their feet!».
He rests his case.

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