sexta-feira, 28 de abril de 2006

(ainda a propósito de 25 de Abril)
Serviço Público (não meu, claro): «FMI»-José Mário Branco

Aqui (que é como um link diz "ali"), têm disponível para consumo público um documento (transcrição do texto e, mui importante, ficheiro áudio no elenco do leitor de mp3 no canto superior direito: busquem lá o ficheiro, que não está à mão de semear) imprescindível para apreender epidermicamente a ressaca pós-revolucionária do 25 de Abril. Apanhado espasmódico e voraz de diversas propostas estéticas e expressivas que se agudizaram no pós-25 de Abril com a politização e consciencialização extrema do significado do gesto estético-expressivo (a incorporar sempre a ponderação do seu efeito social, que os produtos culturais do PREC tendem a exibir de forma clara), o "FMI" do José Mário Branco configura-se como um experimento perfeitamente reconhecível na datação os seus termos compósitos (dos quais configura quase como súmula centrípeta e centrífuga - assim não tenho que saber qual é qual...), mas irrepetível na sua configuração (e quase na sua divulgação: editado em 1982 em maxi-single a prometer auto-destruir-se em 5 segundos, só recentemente foi reeditado no também mais compósito álbum da sua discografia «Ser Solit/dário»), que por efeito histórico translúcido nos devolve um certo ressentir político marcante ainda hoje das leituras e posicionamentos que se digladiam em torno de uma data histórica e da sua conotação política (e possibilitam que actos simbólicos como cravos na lapela sejam apropriados como formas de afirmação ou dissensão políticas).
Música popular decomposta e recomposta (como boa parte da sua obra buscou, a espaços forçadamente, fazer, aqui enunciando a combinatória «pop chula» - «chula» enquanto "forma" musical tradicional, bem entendido), stream of consciousness, emanações de experiências teatrais (arte fundamentalmente politizada à data, de onde havia José Mário Branco derivado a sua obra-prima, em contrastante depuração formal), confessionalismo visceral e encenado (pode haver quem chamasse à apresentação do FMI um happening), lirismo, spoken word, proto-abjeccionismo(?), formalismo da desagregação(?!) (imprecação, interpelação e provocação, no teste da dissolução-manutenção da situação enunciativa), num jacto esgotante de discurso político subjectivado e objectificante, com este FMI José Mário Branco rompeu com, e extremou (contraditório, pois claro), convenções estéticas para reflectir visceralmente a singularidade vivencial de uma conjuntura social, da qual se ressalta já na plena amargura o sentimento de fatal impotência no gesto.
Não é bonito (por assim dizer), é fundamental.

(porque se fez questão no gesto da transcrição - não comparei com outras - acople-se o registo da minha razoavelmente atenta audição e leitura paralelas, onde apenas se denota que lá para o meio há pelo menos uma série de "pá"'s que não estão transcritos. Como é até, se não me engano, uma sequência deles na mesma frase, regurgitados uns após outros, terá a sua relevância expressiva particular, pelo que fica a anotação. E, já agora (esperando não me desvelar grunho), porquê sem hífens?)

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