1 - As duas faces de um corpo
Não, não... não é a teoria inane de civilização-de-overthinkers-on-futile-matters de que só temos um bom perfil, absolutamente irrelevante e redundante para quem só tens dois maus perfis, e a quem os ditos de you-can-improve-your-life-no-matter-how-rotten-miserable-it-is só cumprem função de gerador de impropérios.
É uma questão infinitamente mais intrigante e instigante.
Ao rever, nos Dvd's-do-Público-faz-de-conta-que-não-para-vender-na-Fnac, a entrada do Moretti nos bittersweet forties no seu Caro Diario (para a antologia dos anti-clichés de burgueses ex-esquerdistas "o que fizemos da nossa juventude?" fica, claro, a grande line «não, vocês diziam coisas parvas e tornaram-se feios, eu dizia coisas certas e tornei-me um quarentão esplêndido»), dizia eu, reparei epidermicamente num facto supreendente, a exigir elaboração.
Dei-me conta de que gosto muito do Moretti de frente...
e gosto muito de Moretti de trás (e este plano, com a dita sua mulher Silvia, é também uma belíssima esquiva declaração de amor)...
mas de maneira completamente diferente.
Isso, é notável (por exemplo, reminiscências keatoneanas(?), só emanam de trás). Ora conseguir configurar(-se) um personagem diferente dependendo apenas do lado de que se olha, não é coisa de somenos. Podeis vós, claro, pensar que isso é óbvio, crendo ser o vosso traseiro perfeitamente distinto do vosso facies. Francamente, eu não teria assim tantas certezas (mas posso estar a generalizar da minha experiência pessoal...)
Não é coisa pequena, a plurivocalidade de todos os ângulos da nossa postura vital, o corpo investido de sentido diverso nas várias contingências da sua apreensão, condição de permanente fonte de seductio. Verdade seja dita (não sendo eu dado a alienar pessoas por fetichismos corporais variegados), o sacana faz-me gostar dele (veja-se lá) até de perfil. E isso sim, ao invés dos corpos disciplinados para o descasque do Verão, é uma forma maior de plenitude corpórea...
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