sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

O Weber É Que Sabia! - Truncagem Presidencial

Independentemente dos cálculos estratégicos que condicionam a presumida pureza política de um voto (não a há, lamento, ignorar o cálculo não é menos calculista que pensar os votos nos termos dos seus efeitos - tudo é consequente), neste momento, as candidaturas de Mário Soares e Cavaco Silva surgem, independentemente também dos meus pensamentos face às personagens (e do carácter absolutamente mais daninho da personagem Cavaco), como banhadas numa mesma luz preocupante que caracteriza algumas limitações das possibilidades democráticas deste exercício eleitoral.


Não se trata propriamente de discutir o problema do personalismo na política: em certo sentido, tanto podemos diagnosticar tê-lo a mais como a menos, consoante as circunstâncias (as aplicações da democracia não são todas equivalentes nos seus mecanismos). Mas, mesmo em eleições formalmente personificadas, como as presidenciais, há limites para o espectro personalista no que à vitalidade de um espaço político democrático diz respeito.

Tanto Cavaco como Soares tiveram o país por décadas. O surgirem agora, ambos, como personagens de retorno, para ocupar o cargo de presidente, coloca-nos num cenário mais que personalista, mais que carismático, mas literalmente salvífico de validação política, assentando num par de indivíduos recorrentes e centrais as figuras possíveis de presidente. A noção de carreira política torna-se o mecanismo democrático de ratificar lógicas carismáticas de condução aos altos cargos da nação, afunilando para um par de escolhidos o espectro da escolha democrática (culminando com Soares a defender-se como melhor candidato porque é o único que já foi presidente).
A pura ideia abstracta de democracia que desta duas candidaturas ressuma, e que consiste em reduzir as possibilidades democráticas à recondução ad infinitum de certos indivíduos-chave aos cargos dirigentes do país é uma concepção que, a priori, politicamente, recuso ratificar.
Quando foi essa a opção que os enquadramentos partidários fulcrais colocaram como as escolhas “realistas” ou consequentes de eleição de uma figura de presidente, foi a nossa democracia que ficou a perder.

Manuel Alegre podia ter sido a esperança de rasgo nesta democraticidade truncada. Podia. Pena. Não foi. Estas eleições são um exercício na escolha da forma de perder. Desse ponto de vista, ironicamente os candidatos geralmente considerados pela inteligentsia do pedaço (de forma displicentemente anti-democrática) como os oportunistas da eleição (pela irrealidade realista das suas possibilidades efectivas de eleição) podem acabar por ser, de facto, o melhor rosto das possibilidades democráticas que devem assistir a uma eleição.

Declaração de voto? A ironia ao poder, na democracia em exercício. O realismo sistémico logo se encarregará de dissipar a inconsequência. Para o bem e para o mal.

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