E a propósito: A Deformação Do Artista Enquanto Jovem
O pior serviço que se pode prestar hoje a um jovem é iniciá-lo nos prazeres da leitura. Felizmente, mal iniciado, consegui manter a frugalidade na sua satisfação, apesar da tentação do pecadilho intelectual. Mas, na torta veia que me inspira, se é de deformar juventude que se trata, e se esta é a única lista que já vi por essa blogosfera fora que não parece ter colhido candidatos, e além do mais já passou do prazo: estamos aí.
Ora vejamos.
Eu já não sei o que é um jovem de 14 anos. Por isso: inimputabilidade sugestiva.
Para começar, um desopilanço humorístico para dar à leitura um prazer instrumental: «Wilt na Maior», Tom Sharpe. Há quem goste d’Uma Conspiração de Estúpidos, John Kennedy Toole. Eu não. Mas há quem goste. Considere-se o perfil do petiz na decisão. Atenção que a capa é logo um turn-off.
Depois, um arengada pseudo-filosófica-existencial-místico muito ao suposto gosto de jovens em formação para se crerem bonzinhos enquanto mamam uns shots na 24 de Julho às custas da parentela: «Siddartha», Herman Hesse. A chave da relevância da arengada é, claro, a virtude do caminho e não do achado: a arengada propositiva não interessa, interessa o arengar. Até podem não o captar, mas engolem-no na mesma. Isto é sageza.
Depois, humor à portuguesa um pouco mais requintado: um Eça não pode faltar, apesar de provavelmente já ter esgotado o prazo de eficácia geracional para tal função. Nunca por nunca os Maias. Eu apostaria na «A Correspondência de Fradique Mendes». Talvez As Cidades e as Serras se o rapazito ainda é daqueles arrastado ao campo pelas famílias ancestrais. Não o Padre Amaro: a desilusão das expectativas montadas (cof cof) pela Soraia seria o fim da empresa.
Para romances mais contemporâneos, e respectiva socialização formal, talvez o Rubem Fonseca, na dúvida se é preciso estar em crise de meia-idade para córtir: «Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos».
Considerar «O Deus das Moscas», William Golding, pelo reconhecimento juvenil, atracção aventureira, anárquica e suspense, apesar da teleologia filosófica duvidosa.
Não haver contos é uma maçada porque deixa Agualusa e Mia Couto de fora, e seus respeitáveis potenciais pedagógicos (os romances não têm o mesmo efeito).
O tesão sempre foi crucial para a (de)formação. Neste caso creio que formação mesmo. Mas é complicado gerir. «A Casa dos Budas Ditosos», Ubaldo Ribeiro é desempoeirado mas talvez gráfico demais, e não usa camisinha. Dúvidas, dúvidas: não são coisas que se ofereçam. Sugerir aos pais que os deixem "casualmente" esquecidos em recanto visível.
Talvez optar pel’ «O Perfume» do Süskind que pode combinar os benefícios dos dois critérios anteriores, e tem premissas sedutoras literariamente falando (ou seja, cativantes da jovem mente a deformar).
Considerar a intermutabilidade da Anne Frank com «Se Isto É Um Homem», Primo Levi, para rapazes já demasiado socializados para não ler diários de raparigas, notwithstanding.
Para um cheirinho de atracção sci-fi com inoculação de preocupações panópticas, «Admirável Mundo Novo», Aldous Huxley, pode ser bastante eficaz. Não o deixar ler prefácio, se o tiver.
A inclusão pode ser variável no lugar, mais para o final, mas creio que valeria a pena insistir n’«As Vinhas da Ira» (Steinbeck, para quem insiste em esquecê-lo) apesar da extensão. Essencial para boa formação humanista. Isso mesmo gente, humanista.
Indispensável para a inquirição metafísica sem a insuportável lâmina pessoana: Borges. Um qualquer, excepto talvez os mais esotéricos ou eruditos: não as Ficções nem Outras Inquirições. Talvez «O Fazedor».
Enxertar poesia deve ser feito, mas mais para o final: é complicado de fazê-lo comer tais mariquices, na forma e frequentemente na intenção. Eugénio não me parece a menos que seja menino com potencial "sensível". Sophia precisa de maturidade ao contrário do que muitos pensam. Se o petiz for bom de cabeça, o Herberto Helder pode ser deslumbrante, mesmo não percebendo nada, ou precisamente não percebendo nada. Dar Pessoa a jovens merece protesto da Associação da Protecção para os Animais: não estão capacitados para tal nível agónico de angst. Pessoa não é bonito. Repitam comigo: «Pessoa não é bonito». Talvez custe a muitos (au) mas talvez «A Praça da Canção» (do Sr. milhão de votos) não fosse mau, mas só a Praça da Canção, já nem O Canto e as Armas, já retórica pátria a mais (lembramos, isto é só iniciação hã, não queiram o puto já a citar clássicos na Kapital – ou pior, citar O Capital, Marx, para quem insiste em esquecer). Acrescentar para efeito poético mais denso e espraiado Drummond: uma boa antologia.
Quantos são? Já não sei. Nunca me interessou. Nem para cumprir listas sirvo. Aprendi-o, sofri-o, com livros. E só li estes a vida toda, atente-se. Nunca mais. Deixem o moço em paz.
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