segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Someone Needs To Get BACK IN The Closet (2)

Claro que o melhor da lista de queixas de sábado de Sousa Tavares fica para o fim. Qual é o primeiro (primeiro) vício (vício) que ele sente periclitante nas suas inclinações pela ditadura bem-pensante? Ser heterossexual. Uhhh, o povo das margens... Mas esperem que fica melhor. Heterossexual, e acrescenta: «full-time» (brilhante e delicioso! e de excelsa complexidade cultural). Ora, Miguel Sousa Tavares já nos tinha levado a perceber que a discriminação dos homófobos era uma grave consequência efectivas das lutas pseudo-emancipatórias pelos direitos sexuais ou coisa assim. O que é giro, porque sendo impoluto (como eu), até é a favor do casamento entre homossexuais (do mesmo sexo, já agora), mas acha que por ser contra a adopção por homossexuais, é logo apodado de homófobo por toda a gente (pois como se sabe, TODA a gente é a favor disso - e venha o referendo). Mas agora Sousa Tavares leva-nos a perceber que já são os próprios heterossexuais, na sua heterossexualidade (full-time), que estão em perigo. E bem aquilatadas as andanças hetero no espaço público, temos mais uma vez que reconhecer: ele tem razão.

A gente, misantropos de blogs, anda distraída e tal, não dá conta, mas se dermos um pulinho à rua, que hoje em dia, como é comummente sabido, é Carnaval sempiterno de proto-Carmen-Mirandas-com-chumaço-mal-puxado-para-o-rego-ai-filha-que-não-enganas-ninguém, e a bicharada só comenta que agora os heteros estão impossíveis. Agora que ser gay e arengar a bilha é que é cool, é ver a heteralhada a dar um pulinho nas saunas, outro nos quartos escuros e tal, e como quem não quer a coisa dar uma arejada graçola traseira que nem se sabe pôr a jeito (denunciado o portador) a ver se alguém lhe pega generosa ou equivocadamente de atracão sem perguntar de onde vem (como é de bicha!) e lhe ensina o que é ser um man's man, curso de art-décor incluído. O Sousa Tavares tem razão!
O "verdadeiro" hetero, se deixa de ser full-time dá cabo da vida a toda a gente: os hetero resistentes, a aguentarem a tentação do part-time (belíssima conceptualização de orientação sexual) tornam-se mavericks com medo de a manada ir de arrasto para Brokeback Mountain; os homos, todos super-trendy, têm que gramar com heteros neófitos a quererem ser inaugurados no fabuloso mundo do fashionable e explorar novas zonas erógenas, e que raio, no mínimo um bom cu não tem sexo, né?! Não espanta que nesses espaços públicos avacalhados de degenerações de sobre-exposição à indumentária da Judy Garland só se ouça repetidamente o mesmo pregão: «eh pá, não tenho nada contra heterossexuais, até tenho muitos amigos heterossexuais, mas pá não venham é com as suas mariquices para cima de mim».

Começaram a deixar os heteros sair do armário... foi nisto que deu. Depois não se queixem, seus liberais de araque.


Acrescento: esquecia-me que para Sousa Tavares, no seu desencanto de jurista com a lei e a justiça, a "natureza, a liberdade e o bom-senso" se tornam as únicas fontes legítimas de lei em que acredita.
Eu até posso perceber o desafabo, e até posso perceber a vontade de retornar a um mundo simples onde muitas complexidades eram varridas e amassadas debaixo do tapete. Mas um cronista sério, e auto-definido como jurista a puxar galões, não pode brincar com coisas sérias em frase de taberna. A natureza serviu e serve como maior e mais perversa fonte de legitimação de desigualdades que nada têm de naturais, e que só a lei dos homens (que nunca será natural, como o homem nunca será meramente animal, maldita consciência, reflexividade e socialização sem a qual não se faria gente, pois é, deixe lá os instintos e a sociobiologia careca do "Macaco Nu") sob essa capa impoluta pretende tomar como tal, e como tal universalmente válidas. Ninguém precisa de apontar a Sousa Tavares os crimes que em nome da prostituição da palavra natureza se cometeram e se cometem. Precisa só de lhe lembrar dessa triste e bem mais ampla realidade que ainda macula a nossa civilização (e não a nossa "natureza").
Com a palavra natureza não se brinca.

2 comentários:

Anónimo disse...

caríssimo,
hilariante!!!! absolutamente hilariante!!!

Anónimo disse...

Damn, it was aiming for serious, man!... De qualquer forma, estou certo que o Sousa Tavares agradece... (credit where credit's due)